quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

em cheio

“...para mim closer é o último filme sobre o amor, aquele definitivo...”

O meu nome? O meu nome é ninguém. Para que você quer saber? Eu vou abrir aquela porta, entrar e sair. Apaga a luz que é cedo ainda, vai ficar tudo bem. Os anjos não existem. Eu não sou um deles. É só uma coincidência que eu possua um par de asas. Precisa tempo para se conhecer. Será que você não tem nada mais com o que se distrair? Posso sugerir um livro se você não consegue dormir mas não vou ficar abraçado até que você pegue no sono. Depois quem vai fazer o mesmo por mim nas noites em que eu também me sentir assim? Você? Você que só quis casar e ter filhos comigo porque se sentiu sozinha? Devia ter derrubado vinho na minha camisa, seria bem mais simples: um jato d´água e tudo se resolvia.

De que adianta começar algo se fica-se sempre pelo caminho. Agora eu sou diferente mas daqui há alguns meses eu vou ser igual a todos os homens que você já conheceu: os mesmos defeitos, a mesma necessidade de se sentir superior. E você? Você que é linda. Saiba que eu já menti para mulheres como você e que eu faço isto muito bem: com rosas e rimas. Se faz sentido para você senta e bebe comigo, depois não vá dizer que eu não fui seu amigo.

O meu coração? O meu coração dura só uma noite depois fica proibido de se misturar. É porque eu já morri e você não sabe a dor que é deixar alguém para trás. A pessoa quer correr na sua direção mas não tem mais direção, quer sentir o seu cheiro e é outro o perfume, não quero fazer o mesmo contigo, pareço cruel mas só lhe desejo o bem, por isto apago todo e qualquer vestígio. Meu nome? O meu nome é ninguém.
Imagem: Natalie Portman em cena do filme “Closer”(2004, Mike Nichols)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

efeito bumerangue

“... aquilo que você não diz mas deixa claro...”

Não sonho mais. Sei como tudo funciona. Você entra, conversamos pouco, não quero saber, você também não quer saber, já não fazemos planos, parece que apenas adiamos algo importante que precisamos dizer um ao outro, não sabemos o que, até acho que sabemos mas não por onde começar, depois esquecemos tudo o que estamos vivendo fora dali e fazemos amor, é leve, é bom, é o que salva, você me abraça, o dia me soa estranhamente inesquecivel, seu telefone toca, eu brigo, não brigo mais, você tem que ir embora, não temos mais tanto tempo, esta noite sonhei que tinhamos um filho, queria falar, não quero mais falar sobre aquilo, estou caminhando nua pela avenida mais movimentada da cidade, não estou caminhando mais, ninguém me olha, ninguém mais sabe que eu existo, você tem pressa, eu quero que fique mais um pouco, não não quero que fique nem mais um minuto, nunca mais quero vê-lo, você não me conta mais do seu livro, da minha personagem, não sei se um dia me reconhecerei nele, não sei se um dia me reconhecerei em você, nos presentes, nas cores que gosto, você me beija, não tenho mais forças, agarro seu braço, não agarro braço algum, você sai, fecha a porta.

Estou de volta, estou de volta ao meu cabelo despenteado, ao meu infinito, à minha lista de compras, ao meu silêncio, ao meu cigarro, à esta cidade dos infernos, ao barulho dos carros, ao meu livro de cabeceira, meus comprimidos, meu corpo cansado, minhas teses, minhas olheiras. Estou de volta à vida mas não é a vida, é apenas uma espera até que você entre por aquela porta, entre diferente, entre como era, quando era um risco se apaixonar, quando havia aquela música que eu não podia escutar, quando o que eu mais queria era rabiscar nos muros da cidade o nosso segredo, os mais sagrados.

Estendo a mão, alcanço o seu copo, quase que instintivamente, sem saber o que faço, sem saber direito o que tenho nas mãos, aproximo o copo das narinas, sinto o cheiro da sua boca, do resto de vinho, você pediu do mais caro, tenho saudade dos vinhos baratos, do dinheiro contado, da sua falta de regras, dos poemas que me escrevia na pele, dos medos que tinha, do sorriso que me dava – por mais que eu estique o braço não alcanço mais você, a idéia que eu fazia de você, de poeta irresponsável que eu repreendia, por que não podia ser igual a todos os homens era o que eu repetia, você não devia ter me ouvido, devia ter deixado a barba, devia ter ligado o rádio, devia ter recusado aquele emprego, devia ter desistido, mas não, você não fez nada disso, seguiu com o meu plano, com o seu plano diabólico, apenas para me esfregar na cara que fez tudo o que eu queria. Era a sua colaboração com o nosso amor, era o seu sacrifício. Acho que somos ambiciosos demais, não acreditamos que tudo está perfeito mesmo quando está, a felicidade é sempre algo inatingivel, o amor impossível, o outro apenas uma resposta aos nossos anseios, sei que é a sua cara isto, vai transformar este meu desconforto num texto tão bonito que eu vou querer matar você depois de ler, querer matar por me invadir deste jeito, por roubar o que me é tão íntimo. Você é um ladrão, sr. Ricardo, é isto o que você é – e do pior tipo.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Duda.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

guardada comigo


Gosto de guardar o que vivi. Mas às vezes preciso rasgar tudo, mentir sobre tudo, mudar de idéia. Tenho fechado em meus olhos um álbum de fotos que nunca revelei: nele mulheres que só eu sei com aquela luz e os poemas que pensei e não disse – não disse ainda ou nunca direi. Seria inútil dizê-los, ninguém sentirá a mesma felicidade percorrendo o seu corpo nem entenderá o amor mais do que eu. Ficará em mim como uma melodia, canção que talvez assobie sem saber para quem a compus.

Depois que ela saiu fiz algumas anotações. Quero dar-lhe um nome novo para que daqui há alguns anos ninguém saiba do que se trata. Nem ela saberá se foi de um filme ou de sua juventude. Todos contarão histórias maravilhosas, ela guardará as que sabe para algumas noites só dela, depois de um livro e apagar a luz. Será que é real depois que acaba? Ou o sonho é um outro modo de experimentar? Seu perfume em outras mulheres não é seu perfume, sou eu querendo acreditar. Eu inventei seu perfume – depois de alguns anos me esqueci como era. Ela não é você nem nunca será. Não posso sacrificá-la, tenho que deixá-la respirar. Serei rude, grosseiro, direi que não me importo, será mais fácil se ela me odiar. É para o bem dela que afio minhas garras.

Hoje eu não quero lembrar, vou fazer uma fogueira, há muitos nomes na minha boca que já não sei pronunciar, números de telefone, longas cartas, passagens secretas e promessas que fiz e não cumpri. Na minha vida outra ocupa o seu lugar até que outra venha ocupar e assim eu passo a impressão de que estou seguindo em frente fazendo a roda girar. Este ano bati o meu recorde e não tenho o que comemorar. Contarei vantagem mas será só para disfarçar.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Melissa

domingo, 9 de dezembro de 2007

vampiro cotidiano

“...as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra...” (de Caio Fernando Abreu, em Morangos Mofados)


A gente tem fome. Vive-se bem com uma desculpa dessas. Quantas vezes eu já não a usei – quantas vezes você já não a usou. Eu assinei e você também assinou: “adeus à inocência”, dizia o contrato e nem era nas letras pequenas. Quando a gente diz não soa cruel mas quando é o outro que joga isto na nossa cara a gente percebe o quanto tem somente se arrastado de um lado para o outro em busca de “alimento”. Não é uma questão de se vender barato. Olha ao seu redor, nem precisa ter critérios muito rigorosos, as últimas safras não são das melhores. É pegar ou largar. Eu pego mas não vejo a hora de largar, enquanto isto brinco o jogo como se não conhecesse suas regras, como se não fosse responsável pelo seu conteúdo, como se não soubesse que tem volta.


Eu mordo, mastigo bem, a carne é dura, a idéia é que é macia. Sei que com o gosto “dela” nunca mais, por isto não me arrependo se cuspo fora depois, vá corromper outro eu digo. Eu falo mas só ajudo a espalhar o veneno – condeno, protesto, mas faço parte da mesma epidemia, todo mundo faz, acho que é tarde demais. Isto tudo que você chama de Ricardo Pereira é só nostalgia romântica. No íntimo eu sou um vira-lata. Vida-poema é só um nome mais elegante para vida-barata. Literatura do vivido? Vive-se e morre-se disso – esta a grande verdade. Não tem mais nada que eu não saiba e isto que chamam de experiência, de sabedoria, não tem a menor graça. Daria tudo para ser passado para trás pelo velho e idiota amor – logo eu que comecei a fogueira. Tive meus motivos, afinal quem entre vocês pode me dizer que sabe o quão profundo o seu punhal pode nos rasgar? Eu sei, eu tenho toda a resposta que eu preciso... para mim eu sou o único Deus, para mim eu sou todos os parâmetros, para mim eu sou todos as teorias na carne...


Agora eu quero nascer de novo e não consigo. Eu não vejo o azul que é o mar eu apenas prevejo os perigos. Eu sei o que me espera desde já por isto entro na selva mais violento que qualquer fera de lá. Eu devia estar nu, puro, o bom selvagem, como vim ao mundo (mas estou armado até os dentes, pintado para a guerra, o próprio homem-bomba) para que quando falasse em “amor” novamente pensasse em algo que não sei como funciona, como se pronuncia nem quanto tempo dura, porque é só assim que ele pode ser – enquanto isto não reinicia em mim só faço enganar o estômago com tudo o que é fast-food.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Maíra pagando de vampira.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

no que estará pensando

Não me sobrou muito. Meu corpo está triste e minhas idéias mais loucas sossegaram todas em minha cabeça, estou cansada de uma certa ausência de sentido para tudo o que vivo: pago minhas contas, sorrio nas festas, faço número na multidão – o que me ‘alegra’ é saber que ninguém escapa, ninguém que seja de verdade, ninguém que precise comer, sobreviver, morrer um dia. O mundo, claro, ainda me atrai, há ruas e homens que ainda não conheço e sei o que tudo isso significa quando a gente fica pensando assim por mais de dez minutos. Todo mundo já quis estar em outra vida que não a sua, não venha me dizer o contrário, lê aquelas revistas coloridas sobre princesas, mulheres altas e como ser igual a elas, eu deveria estar pensando em outra coisa – que hoje é domingo e posso ficar na cama até mais tarde.


Por que criaram essa ‘fantasia’ toda de felicidade eu me pergunto. Para que fossemos ao cinema e desejássemos a morte por sermos reais demais? Não tenho a segurança dos deuses que controlam tudo da janela de seus apartamentos. Eu sou uma personagem secundária, todo o filme é ali na minha frente, eu sequer tenho falas, entro muda e saio calada, mas aqui entre as minhas pernas eu me caso com cary grant. O telefone nunca toca. Se muito é engano. Querem me vender um plano de saúde. Eu digo que estou morta e é tarde demais. Os russos nos prometeram uma bomba. Aguardo ansiosa. Tudo podia ser bonito. Eu teria pincéis e desenharia, teria amigos que não perguntam simplesmente as horas, bobagens lindas quando ditas numa língua estrangeira. No outro dia eu não voltaria à vida, a vida de todo-o-dia, correta, direta, inflexível – ficaria lá naquela xangri-la, encontrariam-me numa banheira nua e especulariam sobre meus amantes: qual deles não teria suportado me ver nos braços de outro homem? Meu livro seria um escândalo, tudo falso mas rico em detalhes. Não precisaria escrever uma linha – alguém faria isto por mim – escritores vendem a alma fácil.


O sol insiste. Entra pela manhã. Procura meu corpo. Aquece, invade. É só o sol e nada mais está acontecendo que não seja o sol. Daqui a pouco ouvirei música. Virá do rádio. Alguma cantora triste, negra, gostaria de ter um nome francês como o dela. Falará de amor como eu imagino que seja amor, como me disseram que é amor, nada a ver com sujeitos que lhe pagam bebidas. Em seguida, escutarei homens ruidosos. Não estarão vivos por minha causa. Agitam-se numa construção próxima. Mais um arranha-céu nesta cidade que não para de crescer sobre mim. Desta vez se erguerá bem em frente à minha janela. Minha única janela. Bem em frente ao ‘meu’ sol. Meu único amante cativo. Daqui há pouco nem o sol... nem o sol para me ‘aquecer’.
Imagem: Edward Hooper, Morning Sun, 1952.


“No que estará pensando” vem se juntar a “O Velho Cinema” e “Às quatro da manhã”, publicados anteriormente aqui neste blogue – todos fazem parte de uma série de pequenos textos que escrevi inspirados nas telas do pintor norte-americano Edward Hooper cuja influência sobre este blogue não se limita a estes textos mas espalha-se pelos demais com maior ou menor intensidade e também pelas fotos que ilustram muitos deles.

sábado, 24 de novembro de 2007

serpente

“Leve”, ela disse. “Livre” eu entendi – mas sejamos sinceros: não deixa de ser a mesma coisa agora que nada mais pesa, cansa, nos obriga a ser feliz. Ficar aqui (onde?) com você é não estar nem se sentir em nenhum lugar por mais real que seja a casa a cama a cidade de pedra os demônios que nos habitam, nada significa, nada está além “de estar ali”: existe e pronto; existe e daí? Não acredito em Deus acredito no meu corpo e no que ele sente e me diz e hoje Deus atende pelo seu nome – posso chamá-la assim? – diga-me as palavras sagradas, os dez mandamentos que eu mereço, perdoe-me todos os pecados que cometo em Seu nome para que eu cometa outros e seja novamente perdoado e condenado pelo Seu beijo, você que tem Deus e o diabo ao mesmo tempo como se soubesse que é impossível o amor ser só bonito e não também errado.


O mundo ao nosso redor fica nos exigindo coisas: culpa, família, uma certa estabilidade... mas e os furacões, as tempestades, as paixões que não estavam previstas? Sobe-se o vidro? Passa-se o trinco? Corta-se o membro fora? Perambulo por esta sua cidade-fantasma, todos estão mortos eu sei cumprindo o seu belo destino – eu quero um capítulo novo para o meu livro, ávida a VIDA me exige isto, a vida com letras maiúsculas da qual muito se fala mas pouco se experimenta na boca, o gosto e a violência com que nos arrebata, não se tem mais tempo para isto, apenas ocupa-se de viver mecanicamente, acreditando-se na sabedoria dos velhos, no interesse da ordem, na roupa nova do rei, na cura da loucura.

Inteiro – é só assim que se entra. Não há volta nem remendo. Amor só para quem agüenta. Não há só o lado delicado, quem não descobriu isto ainda é porque até agora não foi além das velhas brincadeiras de criança. O que não falta é maça na árvore do conhecimento – que tal uma torta? O paraíso que se dane, o céu, a eternidade. O que faríamos para todo o sempre? Cantaríamos louvores? Seríamos anjos panacas de branco? Ah eu quero mais é rolar na grama contigo e pouco me importa que Deus ‘tá vendo.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Duda.

domingo, 18 de novembro de 2007

eu sempre retorno aos mesmos lugares


Nunca lhe perguntei o que se passava em sua cabeça naquela manhã de julho quando você foi até as pedras e vasculhou o mar. Em busca de quê, eu deveria ter lhe perguntado. Peguei a câmera e sem saber direito o que apertava registrei aquele segundo mágico. Anos depois vi o que tinha feito num porta-retrato na sua casa. Você me perguntou “lembra?” e eu respondi “como se fosse ontem” comovido por ter vivido tudo aquilo com você. Meses depois no meu aniversário você a me deu de presente. Junto tinha um bilhete com uma frase que você atribuía a mim: “eu sempre retorno aos mesmos lugares”. Era realmente minha mas dita num contexto diferente do qual eu a empregava ela parecia ganhar um outro sentido mais profundo, necessário, urgente quanto mais se vive, como se ‘retornar aos mesmos lugares’ significasse ‘um deixar-se levar no tempo até momentos que não se repetem duas vezes na vida por mais que busquemos reiteradas vezes ao longo dela a sensação que ter estado lá nos provocara’ – é sempre algo entre a esperança de que faça sol e a frustração por estar chovendo. Perdemos a chance de descobrir o quanto a chuva pode conter bem mais poesia. Isto não é literatura, my dear. Literatura é Deus. Isto não é sequer beijar Seus pés – tudo o que eu quero é recuperar no ‘que escrevo’ a poesia daqueles dias.


Eu sempre retorno aos mesmos lugares. Talvez isto explique porque conheça seu corpo tão bem mas também isto não vem ao caso, afinal, não é de você que estou falando mas de mim. “Será?”, você me pergunta com aquele brilho nos olhos de quem sabe que venceu mais uma. Então a questão que devo me fazer é outra: até que ponto é possível me separar de você e contar única e exclusivamente a ‘minha’ história? De você e de todas as outras? Porque já que tocamos no assunto não vamos esquecer ninguém.


Estava jogando umas coisas fora, sonhando o que poderia ter sido, é o que eu faço quando o tempo muda, o frio nos torna mais introspectivos, a bru é linda mas também é muito jovem não entende bem isto, prefiro que ela fique na sala ouvindo seu mp3 enquanto ‘dialogo contigo’. Foi só eu dizer o nome dela para você querer levantar e ir embora, dizendo que eu mudei a regra do jogo com ele em andamento, estávamos indo tão bem (sua vida já estava entrando dentro da minha), apesar de considerar justa a sua reação eu peço que fique, somos velhos amigos, não há mais segredos entre nós, já namoramos em todos os cantos da casa. Eu sempre retorno aos mesmos lugares, lembro da frase enquanto a ‘seguro’ pelo braço. Agora está chovendo onde a gente fez planos. Nada, de certa forma, saiu como planejamos. Mas quando importava, nos dias em que sonhamos, serviu para nos aquecer e a vida parecer completa e definitiva.
Foto: Ricardo Pereira, Cris Tempestade, 2002.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

o teatro trágico

O que viveremos agora se tudo já foi tentado? Não faz mais sentido chorar, sangrar, morrer, tudo é uma histeria dos fracos. Eu sou aos trancos e barrancos o último romântico desta companhia de teatro que é o cotidiano. Você é linda com seus poderes sobre mim, as palavras certas, o corpo que esquenta, a armadilha bem feita é o outro nome que dou ao amor. Experimento de tudo, o que quiser me dar, até o fim, como um rei no seu paraíso.

A gente está cansado, prefere não lutar, deixar que tudo aconteça naturalmente – sem regar nenhum fruto brotará da semente, mas a gente não se convence disso, nos sentimos deuses, superiores, senhores do destino, no lugar de poesia damos ordens: “abra a perna para que eu entre” e o mundo vai perdendo o que é sagrado, foram anos de batalha até aqui e agora que conquistamos dizemos que é lixo depois que usamos no máximo duas vezes, na terceira já perdeu a graça, já não nos faz nenhum favor, já é um saco.

Antes éramos a exceção, agora viramos a regra, abrimos a porta mas só até a metade, não há mais entrega, conversamos e rimos da dor, nossa fome nunca que cessa, cada vez mais e mais precisamos desta sensação de que pertencemos a alguém de que alguém nos pertence, a sensação é tudo o que nos resta porque daqui a pouco será outra festa, outra cama, outra obscenidade no ouvido, outro crime a ser cometido, assassine para não ser assassinado.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Line

domingo, 4 de novembro de 2007

amor

“...Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,/ reúne alma e desejo, membro e vulva...” (Carlos Drummond de Andrade)

Ao olhar o seu corpo em frente ao espelho – e o espelho sou eu, deitado sobre a cama, a tocar-me – sente como o tempo ficou quente agora que se inicia o inverno e sorri, maliciosa, com as mãos bem abertas sobre os seios. Teria, provavelmente, algo para me dizer, mas só se solta de entre os lábios um suspiro alongado de prazer e perversidade.

Ao olhar o seu corpo junto ao meu – e eu sou este homem aqui, à espera, descentrado na fotografia – sabe que mais um dia passou, e que será também num dia como o de hoje que sentirá o meu membro ereto a invadir-lhe a vagina e a deliciar-se, molhado, na sua abundante excitação. Ao pensar nisso, provavelmente, só um suspiro, ainda mais alongado, se solta de entre os seus lábios mordidos.

Ao olhar o seu corpo nesta cama por fazer – e esta cama é apenas o que resta de todo o sexo apaixonado que fizemos de manhã – imagina que muitas outras manhãs, tardes e noites se seguirão com os nossos cheiros integrando-se num só perfume. Imagina também que o poder de dois corpos, de duas almas que se querem e se perseguem, dificilmente pode ser quebrado quando reunido assim, intensamente, e provavelmente terá toda a razão.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Bruna S.

sábado, 27 de outubro de 2007

coisa de minutos


Lá estava você a examinar os livros, um pouco curiosa, um pouco enfadada; sondava demoradamente, por vezes apanhava um, abria ao acaso, lia umas frases, espreitava a etiqueta com o preço, pousava de volta. Não parecia procurar algo em particular; talvez estivesse apenas a matar o tempo, ou aguardava a chegada de alguém; ou talvez esperasse ser surpreendida por algum dos livros, talvez esperasse ser subitamente arrebatada por umas linhas lidas ao acaso, sussurradas pelo destino. Fui olhando, com curiosidade; espiando. Começando a gostar de você.

Havia muitas pessoas entre nós, conversas e risos: e você completamente indiferente, alheia; mesmo quando alguém passava junto de você e a tocava, não olhava. Pegava os livros, simplesmente; sem reverência, sem aquela devoção aflitiva que alguns desesperados dedicam aos livros. Por vezes, esticava o braço para pegar um livro mais distante e a manga da camiseta subia, revelando uma pequena tatuagem. Vira-a diversas vezes, sentindo-me desagradado: surpreende-me que mulheres bonitas deteriorem o seu corpo com manchas de tinta, com pedaços de metal, que escondam metade do rosto com ridículos óculos escuros, que segurem um cigarro entre os dedos convencidas de que isso é um gesto de sedução. Estive quase a afastar-me, decepcionado, quase vencido pelos meus preconceitos. Mas entretanto percebi que você se afastava, levando um livro na mão. E a segui, impelido pela curiosidade de descobrir qual fora, afinal, a sua escolha.

Dirigia-se para o espaço dedicado a música, onde caminhava entre as prateleiras, pegavas alguns CD's, conferia as promoções. Consegui então identificar a capa do livro que segurava; e não me decepcionara. De novo curioso, de novo seduzido, estudei você com mais atenção; a saia solta, revelando joelhos magros; a camiseta justa, delineando os seios; um cinto coberto de brilhantes; pulseiras, anéis; elegância cuidada, sedução discreta. Fui imaginando um quarto vasto e elegante, coberto de sol; e você nua, escolhendo cada peça de roupa, cada acessório; preparando-se para enfrentar o mundo, discreta e bela.

Apanhou um CD e procurou onde escutá-lo, permaneceu alguns minutos ouvindo o teu CD, dançando quase que imperceptivelmente. Depois, juntou-o ao livro e se afastou em direção ao caixa. Saia a balouçar, tilintar de pulseiras, cabeça erguida, passos firmes. Fiquei a olhar, enquanto se afastava: memorizando o seu corpo. Despedindo-me.

Corri para o fone de ouvido que ocupara, onde a sua seleção ainda estava ativa; fiquei ali ouvindo, sentindo a volúpia de estar a ser tocado por um objeto que acabara de ser tocado por você. E aí permaneci muito tempo, sentindo você através dos fones de ouvido, tocando você (recebendo o seu toque) através daqueles fones. Pensando que há sempre intermediários, há sempre mediadores que nos unem mas, simultaneamente, impedem a entrega total; porque tudo o que nos aproxima de alguém pode representar, também, uma última defesa, uma derradeira possibilidade de fuga, de adiamento, de suspensão. Como os corpos: permitem que os usemos para concretizar o amor que sentimos pelo outro, para satisfazer o desejo que sentimos pelo outro; mas são precisamente os corpos que nos impedem de alcançar o amor pleno, o amor além-corpo que secretamente ambicionamos, o amor utópico que deveria existir para além do corpo, da morte, do tempo. O amor infinito. Apertei os fones contra as orelhas e fechei os olhos. Pensando: tranqüiliza-nos saber que nunca seremos totalmente de alguém; mas entristece-nos saber que aqueles que amamos nunca serão totalmente nossos.

Antes tinha fantasias normais. Olharia você e imaginaria como seria afastar o vestido e lamber seu mamilo, imaginaria a sua textura, o seu sabor, a sua consistência, a sua elasticidade; imaginaria os seus suspiros, os seus gemidos, os seus silêncios; imaginaria que me apertaria contra você, talvez com violência, talvez com impaciência, talvez com ternura. Imaginaria a suavidade das suas coxas, a firmeza das suas nádegas. Imaginaria a sua roupa íntima, imaginaria se seriam fáceis de despir. Imaginaria como seriam os seus pêlos púbicos, se seriam incomodativos quando beijasse o seu sexo. Imaginaria como seria foder você no banco traseiro de um carro parado no estacionamento subterrâneo do shopping. Imaginaria o seu sorriso, no fim. Antes. Agora, cansei-me de fantasias que jamais se concretizarão. Olho alguma mulher bonita, como você, e imagino como se chamará. Nada mais.

Acabei por comprar o mesmo CD, o mesmo livro. Não voltei a ouvir o CD e o livro desinteressou-me completamente a partir da vigésima linha. Mas ambos me lembram que você existe, em algum lugar. Uma pessoa concreta. Uma possibilidade: tocamo-nos, por momentos, unidos por aqueles fones; e poderia ter acontecido, pode sempre acontecer mais qualquer coisa.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Mirela.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

já estivemos aqui antes

Já estivemos aqui antes. Não me refiro ao lugar: o quarto, a cama, a manhã – me refiro ao instante. Lembra? Era só um tempo você disse, me vesti e a deixei na sua: em outra dimensão. Nunca acreditei que teria fim. Não teve realmente. Tampouco sei se foi melhor assim. Volto e é como se tudo estivesse como havia deixado. Estamos repletos de outros é verdade mas isto não nos preencheu como supunhamos – vamos pular a parte de ‘pelo menos termos histórias para contar’.

Espero só a hora certa para lhe dizer que não existe outra chance para além de nós – estamos condenados: nosso amor (que amor?, eu me lembro de ter zombado) é como uma velha cama conhecida confortável aconchegante para repousarmos nossos corpos cansados – cansados de tudo que apostamos e deu errado. Lá fora não há mais esperança para nós porcarias de românticos envenenados, fomos exterminados – só um exército de zumbis esfomeados. Eu não quero mais só carne, eu quero o que tenha sabor.

Você me olha com aquela expressão de quem já não se impressiona mais com a minha poesia barata (foi este o termo que você usou não foi? Está tudo bem, está perdoada, eu admito: é barata mesmo) mas quer adoraria muito se impressionar: se não estivessem todas as luzes acesas podia até chorar. Certo, a culpa não deixa de ser minha, eu já fui mais convincente mas depois que a gente repete esta ladainha troçentas vezes fica difícil soar convincente: por mais que tenham sido troçentas vezes do fundo do coração – acho que sou o único que ainda acredita. Você preferia, então, que eu não tivesse dito nada, se quero fazer amor me diria vem que faremos, amanhã acordaremos como se tudo fosse eterno novamente: não é assim que sempre fazemos? – me oferece um lugar embaixo do lençol e eu me deito.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Bruna S.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

noites-brincando

“...Se eu morrer não chore não/ é só a Lua/ é seu vestido cor de maravilha nua/ Ainda moro nesta mesma rua/ como vai você?/ você vem ou será que é tarde demais?...”(de Lô Borges e Márcio Borges, Um Girassol da Cor do Seu Cabelo)

Depois de manhã é aquela bagunça. Não sei dos meus sapatos e você do sutiã. Estamos mais felizes do que preocupados. Você se espreguiça toda como se tivesse uns mil ossos. Eu descubro no meio do café que preparo que estamos sem açúcar. Preciso passar no supermercado na volta do trabalho. Mas quando dá seis horas só uma coisa passa pela minha mente: meter-lhe os dentes. Passo em frente de uns três supermercados e nem sei do que se trata. Estou com a cabeça no meio das suas pernas.

A gente é outro à luz do dia. Você ainda se permite ser um pouco mais maluca: faz caras e bocas na eca – mas eu ainda preciso fazer a barba e vestir algo mais para o cinza: ainda não cheguei na parte do curso em que ensino o uivo de allen ginsberg. Lembra como você tirou toda a roupa depois daquela aula? Eu estou queimando desde aquele dia.

Está tudo na minha boca, está tudo na minha pele e se fecho os olhos vejo sua dança selvagem. Nosso filme caseiro. Achei melhor não perguntar se voltamos ou se foi apenas um final de semana. Não me parece o mais importante agora. Gosto destes lances esporádicos que não estavam previstos. Guardei um pouco de você só para mim. Todo dia eu abro a tampa e respiro do seu jasmin. Parece que a vida nem é real mais, apenas parte do contrato. O que interessa mesmo são estas noites-brincando, alguns poucos dias abençoados. Nem todo o amor que eu senti valeu o esforço; você pelo contrário vale cada minuto suado. E pensar que não era para ser nada e por não ter a obrigação de ser nada é que ficou eternizado.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Line.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

página solta

Nem tocamos no assunto "onde vamos esta noite?". Chovia mas não era esta a nossa desculpa. A gente precisava colocar umas coisas em dia e nem me refiro a cama se não temos feito outra coisa. Era em que capítulo do livro que ela se encontra que eu queria saber. Se ela pegou o espírito da coisa ou se está no caminho errado. Eu queria explicar o mundo desde o comecinho para ela, sem nenhuma pressa, parando nos nomes difíceis para que ela não precise perguntar depois. Ela fica mexendo no meu cabelo como se estivesse tentando me inventar um penteado novo. Sei que é só carinho, os olhos dela perdidos no meu me dizem isto com todas as letras, mas mesmo assim resmungo como quem se incomoda por ser amado. Ela vai até a cozinha, volta depois com um vinho fraco que eu só comprei porque ela gosta, recuso um gole mas não recuso um beijo, ela me dá e nos lábios dela o vinho é mais saboroso do que eu imaginava. A chuva parou, vamos dançando até a varanda, a noite me arrepia como um fantasma, não estou muito vestido, ela menos ainda, ficamos por um tempo, coisa de minutos, observando a cidade ao longe, suas luzes, como se ambos pensassem a mesma coisa mas esperassem o outro dizer primeiro para confirmar com a cabeça. No íntimo, sonhamos com uma explosão que nos afastasse de tudo, achando que só nós é que temos problemas, depois rimos do nosso egoísmo. Ela queria que eu lembrasse o nome de uma música que ouviu no rádio do carro certa de que eu tenho o disco, cantarola um pedaço mas nada muito compreensível, estava na ponta da sua língua e não estava, aquela história nos faz perder por alguns segundos o fio da meada, um novo beijo, reconciliador, nos fez voltar aonde tínhamos parado. A máquina do tempo só se desloca alguns centímetros para trás. Eu queria desenha-la nua como que para sempre, ela faz pose, estica-se na chaise longue como a maja desnuda de goya e eu que sou um simples mortal quedo comovido. Enquanto eu faço círculos com a ponta do dedo em volta do seu umbigo ela me conta sobre sua semana, coisas que eu já tinha ouvido, fingi interesse pelo que dizia, depois perdi a paciência e rolei com ela pelo chão da sala. Acordamos no que nos parece ser o paraíso de tão bagunçado e ainda estamos juntando as pistas para ver se descobrimos qual o nome disto. Foto: Line.

(Achei este velho texto. Ou melhor ela achou "perdido" entre suas coisas - como uma página solta. Escrito para e com ela. Leu, lembrou e me enviou. No mesmo "pacote" veio esta sua foto. Line das noites-brincando.)


terça-feira, 9 de outubro de 2007

o universo

Não tem ninguém além de mim. As festas acontecem, os erros e a crueldade: eu me sinto em outra. Entendo que eu não faça parte da sua turma: rimos de coisas diferentes – mas farei amigos com os poucos centavos que trago comigo – nunca precisei de mais do que isso. Sei o que é bom, o que fica e o que mexe com a gente: estes são os meus critérios de avaliação. Não, não estou lhe julgando, apenas dizendo por que “sim” e por que “não”.

Eu erro sendo um perfeccionista: exijo muito de quem só pensa em dar umas voltas por aí. Pergunto dos livros dos filmes das músicas. Eu não tenho culpa que sua vida seja vazia de sentido – eu descobri o que é felicidade e saiba que ela não é para principiantes: mas você tem estes olhos de quem já chorou muito e isto já é um bom começo. Se quiser que eu lhe explique eu lhe explico mas pode ser que eu destrua o seu mundo no meio do caminho.

Gosto quando chego e você já está aqui: abra a porta para que eu entre, me recebe com um beijo, mostra o que estava lendo e onde parou, ama ter milhões de perguntas para me fazer – como se eu soubesse tudo o que você não sabe. Creia – isto tudo que é tão bonito não está acontecendo com ninguém. A vida tem sido bem menos que isso e todo mundo acha que tudo bem. Mas eu não consigo pensar e viver como todos eles. Juro que até já tentei mas eu não consigo.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Maíra.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

aqui é o seu lugar

Aqui. Aqui é o seu lugar – onde tudo se abre para que você entre, penetre fundo o que se diz e o que não se diz: tome conta, crie raiz. Você mesmo me disse que se sente cansado de tudo o que já fez girar, muitas vezes desordenadamente, pois bem, agora eu tenho a resposta que você precisa e ela está em mim: vasculhe – tudo o que ela diz é poesia aos meus ouvidos.

Vou fingir que é domingo, vou esquecer que há uma guerra acontecendo e eu sou o próximo da lista, quero, acho que mereço, cada velha surpresa, detalhe que podia me passar batido, centímetro por centímetro dela, um mapa que me faça sentido, leve e não traga, hoje eu não sei o que são amarras, medo e cuidado, contas a pagar, horários a cumprir, a liberdade de um homem está no corpo da mulher que ele ama – ela me convenceu disso, sua boca e mãos.

Faz silêncio no mundo e sei não faz silêncio algum, tudo explodiu e escapamos, tudo nunca existiu, estou sentindo que a vida até este instante foi só um sonho do qual acordei, você é que é real, tem cheiro e seu beijo o gosto da sua pasta de dentes, tudo é tão dentro dos meus planos que peço que me belisque. Tudo bem meu anjo falso esta é a hora de se perder, de se perder para todo o sempre, na sua vida não haverá outro caminho que não aquele que o traga aqui. Aqui. Aqui é o seu lugar. Em mim – tudo o que ela diz eu não canso de sonhar. Vou para onde ela está. Viajar é deixar o corpo leve, ser de quem ele quiser, dono do seu mundo. Não precisa percorrer distâncias enormes, nunca haverá país mais bonito do que o corpo da mulher com quem você dorme. Ela fala a sua língua e mesmo que ela não fale, não terão problemas para se comunicar – ela me convenceu disso, sua boca e mãos. Onde quer que eu esteja ela está – aqui, aqui é o seu lugar. Em mim – hoje eu não sei o que é tempo, sagrado e certo. Hoje eu só preciso descobrir.
Foto: Bruna S.

domingo, 30 de setembro de 2007

nós sempre teremos paris

Você me faz um convite e eu aceito. Precisamos conversar, dançar, entender que não fomos feitos um para o outro – existem milhões de possibilidades e você e eu somos apenas mais uma que aconteceu porque chovia naquele dia e você entrou no primeiro café que encontrou pela frente e a gente se conheceu, só isto, o resto fui eu que criei, que inventei de colocar em forma de poesia. Quanto mais consciência tivermos do quão frágeis e acidentais são as paixões mais nos dedicaremos ao que já temos: não é no amanhã que precisa fazer sentido, na rua na frente dos seus amigos, mas aqui mas agora neste beijo neste quarto nesta noite em que tudo rima perfeitamente – do seu corpo ao meu poema.

Seremos felizes depois disso? De certo que seremos como fomos tantas vezes nas muitas voltas que o mundo dá: conhecer alguém perder alguém e continuar em alguém mesmo depois que a perdemos – é só o mundo girando e a gente tentando e nem sempre conseguindo impedir por isto escrevo, anoto num papel a sua presença – veio, esteve aqui, foi bom, seu nome que é lindo, o dia e a hora eternos. O que você teima em dizer que é “o fim” eu chamo caprichosamente de “trégua”: o amor as noites que você me deu não se devolve, não dá para juntar numa caixa com o seu nome à espera de que você venha apanhar, mas fica na gente como o único presente que realmente valeu. Nós sempre teremos Paris – por mais minúsculo que seja em nossa memória: não os detalhes mas a sensação.

Na sua vida-poema que lugar eu ocupo?, ela quis saber. Ora, você é toda a esperança. Ela achou a sua personagem linda e por pouco não deu de chorar. É, parece que tudo acaba, sentenciou. Puxei ela para mais perto, não só por causa do frio que fazia e conclui baixinho em seu ouvido que “acaba para recomeçar”. Acho que só fiz confundir um pouco mais a sua cabeça e o que ela sentia mas também não é fácil para mim.
Imagem: Jim Carrey e Kate Winslet em cena do filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”(2004, Michael Gondry).

terça-feira, 25 de setembro de 2007

noites mulheres pedaços

“... amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa última que se pode dar de si...” (de Clarice Lispector, em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)

Conhecer (cumplicidade) – ela disse – significa entrar pela nossa porta a qualquer hora, ter todos os erros de que precisamos para não nos sentirmos sozinhos alienígenas, afinal nos faz ver que não somos os únicos que ‘morrem’ por tão pouco, uma madrugada que não rola fácil, um telefone que não toca, o melhor uísque já foi e a tortura de caminhar sem um cigarro que seja como uma fera cuja jaula não mata a selva dentro dela. Eu chego embriagado de uma outra paixão e você me recebe como se meus crimes e minhas dúvidas fossem sempre benvindos, primeiro nos tratamos com aquela cortesia típica dos amantes mais antigos – como se nada fosse nem precisasse acontecer, tudo já fora dito anteriormente milhões de vezes e repeti-las como se fosse uma desculpa por ser aquela hora da noite e não em pleno meio-dia na grande avenida à vista de todos de quem quer que seja, já perdeu todo o sentido. Viveremos isto como um favor que nos faremos.

Entendemos que nada mais é estranho, novo ou rompe com velhas estruturas, na vida que é sua e de mais ninguém o meu corpo aquece e faz passar a noite (durmo aliviado com isto). Eu sei que existe aquela fagulha de esperança em você em mim em todos nós de que a história possa mudar repentinamente – quem sabe enquanto observamos o outro dormindo nos apeguemos como se entendessemos a solidão que é viver respirar existir. Mas é no cheiro do sexo que nos concentramos, quase que nos policiando de maiores ilusões, afinal mesmo o amor por mais honesto que irrompa tende a nos cravar punhais com o passar dos dias. Eu sei porque já experimentei todas as certezas deste mundo. Fui fundo. Você também, dona das mais lindas olheiras.

Depois achamos que é melhor assim – só um grande teatro a nos consumir: nele você cada vez melhor atriz da peça que eu próprio escrevi para exorcizar meus demônios, ter o que fazer, me distrair. Revejo as noites mulheres pedaços de lábios de corpos que me inspiraram em seus gestos e palavras, a crueldade de outras encenações, a canastrice de algumas interpretações, o achado que são certos cacos, exaustivos ensaios, intrigas de camarim. Troco seu nome com o da personagem, seu nome e o da personagem é o mesmo mas confundo mesmo assim, o palco está vazio mas eu a vejo como desejo crua, nua, charlatã, real. Não pode ser verdade, não posso ser verdade.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Bruna S.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

o velho cinema

A vida é só uma fachada. Apenas conta-se os dias até que tudo desmorone, venha abaixo, o tempo passe e ninguém se lembre mais. A gente procura viver como todo mundo: cumpre horários, diz bom-dia, senta-se sozinha num restaurante, hesita diante de um prato mais exótico, namora as capas de revista, imagina como seria. Eu vejo pessoas alegres, vejo pessoas tristes, queria ser como elas, experimentar algo que fosse real, invejo quando elas riem e sou forçada a rir com elas como se pedisse licença para existir – quem sabe se naquela noite não sonho algo diferente, um filme, algo que nos faça querer dançar, é tudo o que nos esquenta naquele quarto e sala que é a vida nas grandes cidades. Estamos todos com pressa, ninguém fica o tempo suficiente, se você é uma médica só querem saber o que eles têm, se você é uma garçonete porque o pedido deles está demorando tanto a sair, se você é uma prostituta quanto você cobra por um boquete, se você é uma bilheteira quando começa a próxima sessão – eu pergunto: quando é que vamos poder fumar um cigarro sincero com alguém, rirmos e acharmos graça? Conheça milhões de pessoas e não conheça ninguém.

Eu tenho esperança de que a vida seja mais do que isso e que eu apenas me enganei. Goste de um vestido que veja em alguma vitrine, entre e experimente, veja como fico nele, mesmo sabendo que não posso compra-lo, tem o aluguel, o gás, as refeições e o dinheiro que envio aos meus pais, mas por alguns minutos olhando-me no espelho me sinto distante de tudo aquilo. Dura pouco tempo o que nos faz feliz. Depois digo a vendedora que não sei se ficou bem em mim, que mais tarde volto com o meu noivo e peço que me dê sua opinião. Já na rua, há alguns metros da butique, rio da mentira que contei, pareço boba eu sei.
Image: Edward Hooper – New York Movie(1939).

“O Velho Cinema” assim como “Às quatro da manhã” – publicado anteriormente aqui – faz parte de uma série de pequenos textos que escrevi inspirados nas telas do pintor norte-americano Edward Hooper cuja influência sobre este blogue não se limita a estes textos mas espalha-se pelos demais com maior ou menor peso e também pelas fotos que ilustram muitos deles.

sábado, 15 de setembro de 2007

pelos cantos

Será que nos conhecemos ou formamos apenas sombras? Eu sei quem é você porque inventei-lhe o resto. Nossos corpos se tornaram grandes amigos mas nossas conversas nunca foram muito além disso. Sei onde você têm cócegas mas o que a faz rir ainda me é um grande mistério. Nos apaixonamos pela idéia que fazemos uns dos outros. Eu era os muitos livros que você não leu e você as muitas festas de que ouvi falar. Estranho que não sinta tanta falta assim de você e muito mais das frases que coloquei na sua boca.

O fim é um segundo. Você acorda e não sabe o que está fazendo. Reconheço que o beijo era bom, o cheiro e o sexo, mas às vezes tudo se resume a uma questão de falar e ser escutado. Para o jogo ser limpo não se precisa regras bem definidas mas jogadores que sejam honestos – fomos honestos até onde nos interessava. Eu roubei o que era bom de você e que me faltava e você pegou emprestado o que quis de mim dizendo que devolveria mas até agora nada: está tudo bem, fica pra você, afinal era só poesia mesmo.

Discordo de você: o gosto não fica ruim depois que acaba – é um conhecimento novo quero crer, quem sabe mais um verbete para a minha enciclopédia de dúvida e prazer. De que são feitas as minhas histórias senão daquilo que você esqueceu aqui e não voltou para buscar? Você tem até a próxima campanha do agasalho para vir pegar. Depois disso servirá para aquecer outra e pode ter certeza que aquecerá.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Maíra.

domingo, 9 de setembro de 2007

ela e o mar

Disse-lhe apontando o mar, “aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas”, depois voltando-me para ela, “e aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar”. Ela achou aquilo lindo. Quis saber se era meu, não era, tomei de Clarice Lispector. Depois você me empresta o livro, pediu. Fiz que sim com a cabeça. Seria outro em meio a tantos livros que ela me pedia emprestado e nunca se lembrava de cobrar.

Fosse um outro qualquer e só teria reparado na minha bunda, comentou ela. Ah mas eu reparei e muito, conclui apenas que seria mais elegante citar Clarice do que comentar o quanto você fica gostosa neste biquini. Ela riu, estava um pouco alta, não dava para dizer qual dos dois estava mais bêbado.

Isto de caminharmos pela areia da praia naquela manhã foi uma licença que nos demos. Desprendemo-nos naquele instante da superfície para penetrarmos no reino do absoluto. Sentíamo-nos como num filme desses intrigantes em que a maior parte das explicações nunca nos são inteiramente dadas. Fica tudo no ar a espera de uma leitura mais apurada. O tempo nos ensina coisas que nem percebemos quando são por nós aprendidas. Há sempre um momento na vida da gente em que reconhecemos algo novo e no entanto tão familiar. É a surpresa da queda em si. Estava lá antes, só faltava reparar.

Ela vai um pouco a frente. Acompanho o seu balanço. No que estará pensando agora? Eu devia ser o “pé no chão” desta dupla dinâmica fadada ao fracasso mas se ela levanta vôo eu não me controlo e sigo e vou. Estou numa fase em que ouço mais as pessoas, mesmo que elas não tenham muito o que dizer, só pelo prazer de ficar um pouco mais quieto, não quero preocupar mais ninguém além de mim mesmo com as minhas objeções ao mundo.

É cedo. Cedo demais para uma série de coisas. Mesmo colocar em ordem nossas idéias soltas, separar as mais loucas das mais lúcidas. Melhor curtir o restinho de vinho na nossa cabeça. O sol nem bem. O sol nem nada. A gente leve depois de uma noite alta. O mundo o que mais pode ser senão uma grande ilha deserta às nossas costas. Esqueçamos o mundo, busquemos explicações no mar. Em navios tão perdidos quanto nós navegaremos rumo ao incerto.

Ela vira o rosto só para confirmar algo. Ainda estou aqui. Enquanto você quiser, enquanto eu quiser, este é o trato, este é todo o teor do pacto de sangue que fizemos brincando que não era importante mas era. A noite me disse tudo o que sabia sobre amor e era tão inútil convencê-la de que estávamos no caminho errado que eu achei melhor assentir com a cabeça. Fiz bem, ela me deu um beijo e mudamos completamente de assunto. Deixamos a profundidade de lado. Não quero negar a ninguém a chance de se sentir bem com algo que ela acredita em ordem. Chega um dia em que tudo desmorona e a gente aprende com a experiência. Por enquanto não temos pressa, estamos bem livres de tudo.

Eu tinha de dar um telefonema ontem e ela não deixou. Nada existe hoje além do que você pode tocar, foi o que seu gesto quis me dizer. Então a toquei. Tenho a sorte, a imensa sorte, de que ela seja real. Eu sei que mesmo a realidade pode se esvair em fumaça mas por enquanto ela está aqui quente como eu gosto. Nítida na retina.

Penso que teremos de fazer todo o caminho de volta. Acho que ela não se cansa nunca. Um dia ela cansa, penso eu. Cansa de mim. Depois se cansará dela mesmo. Se olhará no espelho e dirá a si mesma que precisa inventar para si um novo estado, uma nova fortaleza. Não poderá mais se comportar como se tudo tivesse graça e não pudesse ser nunca sério. Quando ela chegar a esta conclusão, eu já estarei longe, já serei um fantasma, aproveito e estico o braço. Toco seus ombros. Ela se vira. Faz cara de pergunta. Eu apenas acho ela linda. Mas não digo, ela sabe.

Diz que gosta mais dos poemas que eu escrevo no corpo dela com os olhos do que aqueles que boto no papel. Duvida da palavra. Sabe que eu escrevo o mesmo para todas. Não o mesmo com as mesmas palavras, rimas e imperfeições: o mesmo com o mesmo fim, seduzir e só, preparar a cama para que elas venham e se deitem – só estou reproduzindo uma tese dela, nem digo que está certa nem que está errada, apenas a escuto, qualquer comentário por menor que ele fosse estragaria o mistério. E sem um pouco mistério não somos nada.

Vem me pegar, desafiou ela, correndo em direção ao mar. Fiquei observando ela se afastar, feliz por existir, por ter conhecido mulheres como esta, por ter lido alguns livros que me fizeram diferente, por ser a porcaria de um Ricardo Pereira e não alguém bem mais perfeito. “Só um cão livre hesita na praia”, diz um outro trecho do mesmo conto. Eu me encaixo direitinho no perfil, sou este “cão livre”, algo com o qual os poetas de que mais gosto, os marginais, tanto se parecem, mais vadios que exemplares.

É somente por ser como aquele “cão livre” do conto da Clarice Lispector é que eu posso perambular por ali sem ser enxotado pelos deuses naquele instante à-toa do mundo, enquanto o resto vive a urgência das coisas. Estivesse eu preso às muitas coleiras com as quais a sociedade nos domestica, estaria a esta altura no “desconforto” de uma cama macia dormindo o meu quinhão do sono dos justos mas não, é naquela areia quente que eu me ajeito, descanso meu cansaço de tanta juventude, as dores no corpo de um amor louco, o peso de um vício que me cobra a carne, a poesia de uma vida bandida, meus versos, minha folha corrida.

Ela e o mar travam amizade, ininteligíveis que são se entendem fácil, brincam um com o outro como se não fossem outra coisa senão crianças atarefadas demais consigo próprias. Naquele instante descubro tudo, descubro o que vim fazer no mundo e o quanto inútil é todo o resto, porque nada além disso, nada mais importante do que isto, esta paisagem com mulher e mar ao fundo.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Michelle.

(trechos extraídos do conto “As Águas do Mundo” In: LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

três noites atrás

E se eu disser que não sei o nome do que sinto você fica mais algumas noites comigo até descobrirmos? Ás vezes a cama começa algo mas não decifra tudo. Precisamos justificar nossos atos, dar desculpas pelo que somos, inventar regras mesmo que seja apenas para transgredi-las, eu não queria pensar em nada disso naquele momento, apenas apertar contra o meu seu corpo de mil e novecentos e oitenta e nove. Foi um bom ano, tenho feito descobertas neste sentido. Ela é livre e pode me esquecer pelas ruas, mas da cama até a porta do quarto lhe parece uma distância imensa, então ela fica e se apaixona. Está cansada – o “amor” foi bom.

O silêncio é cheio de pequenas conversas – dos olhos, lábios, línguas e dentes, pele, mãos, dedos, pernas e sexo. Escrevo como falo e não como penso. Digo isto apenas para que você faça o mesmo. Se não o meu texto fica frio e distante, meu e mais ninguém entende, prefiro que sua boca o experimente, como drops até o fim – seu sabor será como quiser.

Há muito lhe espero porque você só veio agora?, ela quis saber. A resposta é simples: olhei para o lado e te vi. Mas não posso dizer isto. Está no meu caminho por conta de uma série de acasos que nos remetem até os princípios da humanidade, o primeiro homem, a primeira necessidade do outro, o desejo ainda em seu estado bruto, selvagem, e a gente ali já tão domesticados, civilizados, esquecemos que um dia bastaram grunhidos, gestos com as mãos que hoje seriam obscenos – poesia, amor, deuses, destino, tudo o que utilizamos apenas para encobrir nosso real objetivo: mantermo-nos aquecidos. E se eu disser que não sei o nome do que sinto você fica mais algumas noites comigo até descobrirmos?
Foto: Susan Meiselas, USA Carnaval Strippers, 1973.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

a última da noite

“Lay lady lay, lay across my big brass bed…” (Bob Dylan)

A última da noite ainda ecoa na minha cabeça. Tenho planos para mais uma vida mas acho que não vai dar tempo de viver tudo, então faço escolhas, cometo erros, tento o que machuca menos, ledo engano – sei que será inútil prendê-la aqui mais do que um desejo: primeiro queria que ela se jogasse, fiz de tudo para que me adorasse, ela veio e se deitou, ambos temos fome de que algo aconteça. Podia não amanhecer nunca mas amanhece. Ficarei da janela – minha torre de marfim – vendo ela se afastar, o sol a torna ainda mais bela, vejo como é bom longe de mim, aqui dentro falaríamos de escuridão. Minha pele saberá seu nome até que outro corpo venha e apague. Estou escrevendo assim para que se torne verdade mas minha pele sabe que não é tão simples.

Tenho que atender o telefone, dizer que não estou, desculpar-me por cada verso, fiz ela imaginar coisas que eram até reais demais quando eu dizia quase que sem controle, estava embriagado de seus lábios, da sua juventude, da sua rebeldia, da música que só a gente ouvia. Queria que não houvesse começo fim mas que tudo acontecesse fluísse naturalmente a gente se encontrasse era feliz amigos que se apaixonassem todos teríamos mais o que fazer onde dormir sem perder a cabeça sem parar para refletir uma vida que todo mundo aproveitasse onde nada doesse nada sangrasse deixasse uma flor onde se amou. Ela ficava me ouvindo falar assim. Não sabia dizer se eu era mau cruel ou a melhor coisa que já andou sobre a Terra se eu queria o bem de todo mundo ou só o meu.

Existem milhões de festas, noite como esta, pessoas como nós, gente que você nem sabe o nome e a solidão e corpos e mais corpos e depois mais corpos e no meio disso tudo o nosso. A gente é pequeno, a gente é frágil, a gente quer quem torne tudo mais fácil, diga na nossa língua, corra nos dar um abraço, procure um alívio, cale a boca por um segundo, nos ame e não pare, nos ame e não pare, nos ame e não pare...
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Dana Dinha

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

às feras

para você

Funciona igual um brinquedinho novo. Enquanto você não esgota todas as suas possibilidades não quer brincar de outra coisa. Amor é só um nome mais limpo. Por que você tem sempre de ser tão cruel com as palavras? Nem parece um poeta – ela reclama do quarto, estou escolhendo uma música. Você prefere que eu minta ou diga que te amo do único jeito que sei, isto é, honestamente? Ela quer ouvir sobre o taj mahal – histórias de amor e glória onde homens e mulheres têm suas necessidades mais básicas como fome e sede satisfeitas não lhe atraem.

Ora trago ela para o chão ora carrego ela sobre os ombros, depende do meu humor, da minha fantasia para aquele dia, do que comi no almoço, do que li no jornal, deste “navegar impreciso” que é a vida. Ela tem dúvidas sobre até aonde vamos com aquilo. Prometo que seremos felizes, que teremos filhos, que lhe trarei flores, que telefonarei no dia seguinte, que apagarei qualquer vestígio quando for embora de manhã, que você nunca mais vai ouvir falar de mim.

Todos estamos nos empurrando uns contra os outros. Ninguém mais é “novo”, inocente, principiante, todos já fomos violentados, lutamos contra as regras mas somos por elas educados, é o medo da solidão que nos atira às feras, depois de um tempo nos tornamos também feras, botamos para funcionar nosso velho e bom instinto de preservação: devora ou será devorado. Vê, seria mais fácil te iludir, mas sua pele é rosa, é branca, é jasmin, não quero nela as mesmas feridas feias cicatrizes que trago aqui e aqui.
Foto: Renata Punk.

domingo, 19 de agosto de 2007

Anna Karenina

“... a transcendência dos livros é assim como o amor solto no ar, mas a materialidade dos livros é como o corpo do amor na cama, a noite inteira lendo e relendo...” – de uma outra conversa

Acho que já nos conhecemos. Tive a mesma impressão. Sugeri que talvez fosse dos muitos livros que lemos e ela sorriu como quem se lembra exatamente em qual romance ficava a rua em que nos cruzamos. Foi fácil esquecer de todos os outros assuntos que giravam em torno de nós, refiro-me aos vulgares – típicos de mega-stores. Falávamos dos livros como quem conta peripécias da juventude num país estrangeiro. Conhecíamos a língua, os rios e o cheiro.

Não tenho muito tempo. Privilegio livros e beijos. A vida é inútil se só se ganha mais dinheiro. Até mesmo o desejo mais caro acaba numa liquidação. Dê um tempo que tudo será resto. Corro os sebos da cidade em busca dos clássicos que me faltam e a noite de mulheres que ainda saibam ser seduzidas por eles. Certas conversas não me interessam mais, eu quero trazê-las para a minha festa, lá dançaremos, serão muitas páginas, música e vinho.

Descobrimos, claro, muitos amigos em comum, às vezes até séculos inteiros, confissões que ouvimos, beijos que espiamos, camas que dividimos, noites que nos apaixonamos. Ela não era livre nem eu naquele dia. Pensamos em algo sorrateiro, no saguão ela me deu o nome de Anna Karenina, eu gostei da brincadeira e assinei Vronski. Durante algumas horas era a Rússia czarista lá fora. Fechamos o livros e nos despedimos. Mais tarde sussurrarei esta história no ouvido de outra mulher – de Emma Bovary talvez.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Bruna S.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

uma hora e meia

para N.

Eu estou aqui e você esteve aqui. Uma hora e meia. Pouco. Quase nada diante da velocidade do mundo. Mas quer saber de uma coisa? Nada mais importa, nada mais interessa, nada mais com o seu gosto, com as suas idéias, vivo numa cidade poluída e você me ensinou uma avenida que dá no mar, vou procurar você nas músicas que ouvir e sei que vou encontrar. Sua voz triste me lembra que às vezes temos de voltar à vida real. Eu inventei uma vida-poema para que você nunca fosse embora, todas as outras mulheres da minha literatura só servem para me dizer que você existe e não é uma delas. A gente bem podia caber naquele disco tocando – de quem é este sentimento na vitrola girando?

Eu estou aqui e você às vezes demora. Tem o trânsito tem a guerra lá fora. Todo dia que nasce para ser a mesma coisa. Sei que preciso pagar as minhas contas, não dá para ser poeta sempre, no jornal é aquela farsa de a culpa é dos políticos etc e tal, na volta para casa é tanta miséria que tomo um tiro, preciso do seu silêncio, da sua paz, desta uma hora e meia que tanta diferença faz. Estou estudando uma fórmula para que você fique, para que você fique mais, seja para sempre, não como um segredo que me anestesia um pouco, mas como uma cura definitiva, o fim da história.

Eu estou aqui e você temo que vire fumaça. Existem todas estas horas em que você não vem me chamando para a rua. Eu não sou tão forte como lhe prometi, preciso de um vício que dê conta, meu nome numa outra boca, malditas sejam todas as uma hora e meia do meu desejo – porque sempre às migalhas se a fome é de uma vida inteira? Um dia quando não mais ligar o corpo à paixão, você poderá ser qualquer chance, estarei acima do amor, livre para ser escritor: sua lembrança – a dor e a verdade – será só da personagem e você-real apenas miragem.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Belinha

domingo, 12 de agosto de 2007

os livros

“(...) Para Tereza, o livro era o sinal de reconhecimento de uma fraternidade secreta. Contra o mundo de grosseria que a cercava, não tinha efetivamente senão uma arma: os livros que pedia emprestados na biblioteca municipal; sobretudo os romances: lia-os em quantidade, de Fielding a Thomas Mann. Eles não só lhe ofereciam a possibilidade de uma evasão imaginária, arrancando-a de uma vida que não lhe trazia nenhuma satisfação, mas tinham também para ela um significado como objetos: gostava de passear na rua com um livro debaixo do braço. Eram para ela aquilo que uma elegante bengala era para um dândi do século passado. Eles a distinguiam dos outros. (...)” (de A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera)

Quando estou em casa passo a maior parte do tempo na "biblioteca". Chamo de biblioteca embora funcione mais como um escritório. Foi o único aposento da casa em que não arredei o pé quanto à distribuição dos móveis pelo ambiente. Deixei o restante da casa aberto a toda a sorte de palpites. Vem uma namorada e coloca os móveis da sala, dos quartos, numa ordem, outra mais tarde vem e os arrasta como se assim apagasse quaisquer vestígios da ex. Eu apenas sorrio concordando como se aprovasse inteiramente quando no fundo tanto faz. Elas se sentindo à vontade está tudo bem para mim. É na biblioteca que as testo.

Uma das primeiras coisas que faço quando trago uma mulher em casa é apresentá-la a eles: os livros. Fico na minha observando o modo como elas se comportam diante dos livros, correndo os olhos pelos títulos como que a procurar algum velho conhecido, ou escolhendo um deles para folhear. Como aprecio os livros, gosto de mulheres que tenham o mesmo interesse. Uma vez comentei que a primeira coisa que reparava em uma mulher era justamente o livro que ela estava lendo. Uma licença poética, naturalmente, mas todos nós temos direito a uma licença poética.

É fácil identificar pela maneira como uma pessoa manuseia um livro se se trata de um objeto estranho às suas mãos ou se íntimo. Elas não entreabrem o livro num página qualquer lá pelo meio, elas primeiro procuram se informar sobre aquele objeto deslizando os dedos suave e carinhosamente pela sua capa enquanto examinam o que diz a orelha, depois vão folheando lentamente página por página até chegarem ao primeiro capítulo, lêem um ou dois parágrafos para sentirem o grau de tesão que o livro exerce sobre elas: paixão ou curiosidade. Não estranhe se terminarem a inspeção aproximando o livro de suas narinas como se através do cheiro pudessem extrair a qualidade do livro com a mesma precisão que um enólogo busca atingir ao aspirar o aroma de um vinho.

Confesso que se a mulher tiver outros atrativos interessar-se pouco ou nada pelos livros não será obstáculo algum para engatarmos algo. Entretanto dificilmente vou conseguir com esta mulher a mesma cumplicidade que desenvolvi com outras mais leitoras. É comum que pergunte à uma mulher pela qual esteja atraído se já leu "A Insustentável Leveza do Ser", do Milan Kundera. Caso a resposta seja negativa ofereço de presente um exemplar (sempre que encontro o livro numa sebo em bom estado compro um - tenho no momento três deles no estoque), caso já o tenha lido peço a ela que responda-me se se identifica mais com Tereza ou com Sabina, as personagens femininas do romance. Dependendo da sua resposta saberei melhor o que esperar daquela mulher. Eu tenho, obviamente, uma preferência por um dos tipos, mas não revelo, comprometeria o teste.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

romance barato

para bruno ribeiro e geraldo magela,
dois perdidos na noite suja

A desculpa para a fila andar tão depressa é a busca por uma garota que seja definitiva. Do mesmo jeito que escrever um romance não pode ser escrever qualquer romance, tem de ser algo definitivo, o primeiro e último, do tipo antes e depois. Enquanto isto não acontece, nem uma coisa nem outra, vamos nos acostumando com trepadinhas e ambiciosos projetos literários que nos mantém vivos. Então não achar a história certa passa a ser uma desculpa também. Se sua vida é (e todas são) apenas mais uma, você finge que não, porque no seu íntimo há um romance sendo escrito e reescrito todos os dias.

Então a garota da vez chega na porta do seu escritório, enrolada no edredon, reclamando sua ausência ao lado dela na cama, tá frio, diz ela, quer quem a esquente. Não é nem de longe um pedido, é uma ordem, você atende, para tudo o que está fazendo porque trepadinhas assim viciam e a ilusão do grande romancista já se desfez. É que você teve uma idéia maluca, pensou que era algo super original, incrível, que ninguém nunca tinha pensado antes e valia a pena arriscar, ou porque estava embriagado demais ou porque acabou de dar uma especialíssima e correu para o computador confundindo orgasmo com inspiração. É que nesses minutos após uma bem dada (daquelas em que damos graças a deus por termos nascido homens) você tem todo o direito de se sentir o cara mais foda do mundo. A garota ali do seu lado é uma mera coadjuvante: fácil demais para você propor algo sério, ainda que você se arrependa de ter insistido tão pouco depois que elas se vão. Tudo bem que na noite seguinte será outra. É que trepadinhas assim viciam.

Neste tempo entre uma e outra você oscila entre o fracasso e a genialidade. Não avança uma linha sequer em seu clássico da literatura mundial. Só se realiza mesmo quando vai quebrando pouco a pouco a resistência da ninfetinha, esta coisa vulgar de dizer o que ela quer ouvir, de libertar ela de tudo o que a prende ao chão, de parecer grande quando não passa de um pulha. Então você acha que a grande diferença entre seus poemas e os grandes poemas é esta mesmo: os caras escreveram aquilo para serem grandes, geniais, estudaram a coisa, capricharam pacas; e você, nada disso, escreveu aquilo com um único fim: papar a princesinha. E nem precisava tanto, ela nem sabe quem é Modigliani, para que meter um verso em meio aquela zoeira de palavras todas comparando a beleza dela com um Modigliani? A garota nem consegue dizer o nome do autor de Crime e Castigo e você só faz achá-la mais “desfrutável” por conta disso. Depois ela ri como se fosse de uma piada quando você lhe diz só o primeiro nome do russo: Fiódor.

Nunca vi tantos livros, ela diz, passeando sem interesse os olhos pelos títulos de sua estante. Então esta é a minha última conquista: uma estudante de relações públicas. Houve tempos em que eu era mais profundo, acho que agora eu estou querendo provar algo imbecil para mim mesmo. Uma coisa meio machista do tipo você ainda pode. Você gostaria é de ser Charles Bukowski mas sabe que não agüenta o tranco, é sensível demais para isto. O mundo das ruas te excita mas você prefere usar sua força para abrir uma garrafa de vinho.

Garotas assim não podem com um Lambrusco, é o máximo de classe que conseguem atingir. Duas taças e ficam molinhas molinhas. Os caras da idade dela não sabem tratar uma mulher, só sabem falar de filmes de ação e carros. Elas ali se achando as coisas mais espertas do mundo, as maduras, as ‘cabeças’, as experientes, só porque estão na toca de um sujeito que tem idade para ser o professor delas. Querem aprender, eu ensino. Disso não vai sair um romance. Eu bem sei e é uma droga. Quem sabe um conto desses que as editoras recusam porque você ultrapassou o limite permitido de divagações entre as obscenidades.

Proust não precisou de uma coisinha linda dessas para escrever uma linha que fosse. Papel e tinta foram suficientes. E eu com esta tecnologia toda dizendo “vem me amar gostosinho” faço da minha literatura um amontoado de papel amassado. Não é a garota certa nem o romance certo. O problema é que eu estou me viciando além da conta nestas trepadinhas. A garota com a cabeça entre suas pernas e você pensa no romance barato que está escrevendo noite após noite. Sei que alguém vai gostar, vai dizer que é demais, mas é só a opinião de algum perdido na noite suja, os críticos vão me dar uma recepção seca, não demora e saio por três reais numa sebo da cidade. Todo mundo me folheia mas ninguém me leva. Na orelha algo do Bruno, falando mais do sujeito que de seu livro. Na capa um nu feminino. Um título assim sem dizer muito – “numa balada só” – e o meu nome um pouco abaixo. Acho que estou começando a gostar da idéia.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Renata Punk

terça-feira, 7 de agosto de 2007

simples me faz sentir leve

Simples me faz sentir leve. Tenho minha forma de ver o mundo e ela tem a dela, às vezes o melhor que fazemos é mudar de assunto. Não preciso que ela vote no mesmo partido, apenas que dance comigo, depois conversaremos sobre vinhos, livros e beijos. Não vamos cutucar deuses, diz ela, entender tudo o que se passa faz com que as coisas percam sua graça, quantas cores existem no mundo que eu ainda não sei – quero inventar nomes para cada uma delas. Penso que o seu caíria como uma luva para um novo tom de lilás que imaginei.

Sou um homem cheio de lutas sendo travadas, venço algumas, perco outras, existem aquelas que serão para sempre como a miséria, o preconceito, a falta de educação das nossas elites, para ela eu só me preocupo demais, preciso arranjar o que fazer porque me sinto muito burguês para o meu marxismo, ela é cruel quando bagunça tudo ao meu redor, eu me sinto só sem certas fugas, fazemos parte do mundo e dele não escapamos. Ela me pediu um poema de amor que fosse só para ela. Eu tentei. Não agüento mais ser só uma perna, uma noite, um riso, quero algo profundo como você entrar em mim e nunca mais sair, sei do que ela está falando.

Não consigo sair de uma página e ela com a tarde livre, me liga e nos despimos de tudo, ficamos suaves como quando nos conhecemos e não sabíamos das armadilhas um do outro, ela quer saber sobre o que será meu novo post, digo que não sei, não estou pensando nisto agora, mas você estará nele – procuro a essência dos estados de felicidade, estes mais ingênuos como descalçar os sapatos e observar da janela do quarto o céu e as nuves tomando forma de “coisas” da nossa cabeça. Da vida não pretendo mais do que boas lembranças. Estou no meio de uma autobiografia de encontros furtivos: cabeças vão rolar.
Foto: Dana Dinha

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

o que um poeta tenta ser

Invejo os escritores que vão nos mínimos detalhes. Não me refiro aos pornográficos – embora respeite e entenda a sua arte. Neles vigora uma fé nos corpos e tão somente uma fé nos corpos. Eu escrevo sobre corações. O meu, conheço um pouco melhor. Dos outros, apenas aqueles dos quais aproximei meu ouvido para escutar o que “diziam”: vocês já ouviram canções de amor? Não, vocês nunca ouviram canções de amor.

O que eu sou? O que um poeta tenta ser. Na vida já fiz de tudo e sei que ainda há muito por se fazer. Eu tenho um romance por escrever, cada página é um dia que acordo, cada mulher que encontro pode representar uma mudança considerável em meus planos, por isto estes fragmentos de um discurso amoroso – estou aberto à sugestões, quem souber um beijo novo, uma palavra mais simples que “amor” ou uma solidão de noite me conte, quero saber. Preciso de mais, não há descanso para quem respira só o que o inspira.

Não sou artista, sequer ouso, a Cris é que era – no pouco tempo em que moramos juntos eu apenas a observava enquanto “trabalhava” (como quando contemplamos o mar ciente de que não estamos à altura): queria ver através do seu olhar, tudo o que eu conseguia enxergar se limitava ao que eu entendia de “poesia” em corpos nus – mas não demorava e chegava o instante em que meu desejo de tocá-las e lambuzar-me delas superava o “poeta”. Não é o equilíbrio que me atrai mas o que me faz balançar.
Foto: Nelson Luis Abrahao

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

bom dia

“... é do cotidiano que nascem as melhores histórias. De amor, por exemplo...”

"Vem ver o sol que lindo", diz ela me chamando até a janela. Nada veste além de uma calcinha. E eu lá tenho olhos para o sol. Aproximo-me dela e ganho um beijo. Bom dia. Bom dia. Ela me abraça como se não fosse me soltar nunca mais. Parece mesmo muito feliz. Não entendo o porque: é um dia como qualquer outro no mundo. Então me olha fixo nos olhos como se tentasse me passar uma mensagem por telepatia. Chega mesmo a franzir a testa de tanto que ela se concentra em penetrar meus pensamentos. E quando eu acho que ela vai me dizer algo incrível que merecesse tamanho esforço escuto "mentalmente" ela dizer que vai tomar um banho.


Diante do espelho eu encaro meu rosto como se aprovasse a espécie de sujeito que me tornei. Nem sempre é assim. Preciso fazer a barba não preciso fazer a barba. Esta é a primeira decisão do dia. Mas virão outras. Ela abre a porta do box e reclama uma toalha. Antes de passa-la às suas mãos faço uma pequena brincadeira dessas idiotas: quando ela estica o braço para pegar a toalha eu a afasto do seu alcance. Ela ri da primeira vez mas depois bronqueia. Enquanto ela se enxuga diz alguma coisa que eu não entendo direito mesmo assim não pergunto do que se trata apenas concordo com a cabeça. Estou pensando em outra coisa: penso que na maior parte do tempo nem é amor, apenas cumplicidade, intimidade, quer melhor que isto.


Quando ela passa por detrás de mim eu me viro e a seguro como se lhe aplicasse um golpe que treino há semanas. Um beijo fundo acompanha a imobilização. Então ela fica um tempinho mole depois força para que eu a solte. Dou um tapinha em seu bumbum antes que ela se afaste. Ela faz uma careta depois me dá às costas. Não tiro o olho de seu traseiro até que ela suma para o quarto. Vou demorar a vê-la novamente assim como veio ao mundo, preciso aproveitar cada segundinho. Entro no chuveiro e me esqueço um pouco do tempo. Acho que passam uns dez minutos para que eu me ligue novamente na vida. Ensaio pressa.


Quando deixo o banheiro dou de cara com ela já vestida sentada numa poltrona com uma deliciosa expressão de inocência na face como se nada tivesse a ver com aquela cama desarrumada há poucos passos dela. Enquanto troco de roupa ela retorna ao banheiro para se maquiar. Pergunto se ela quer comer algo. Ela diz que está com pressa. A primeira aula dela é dali meia-hora. Da minha casa até a faculdade são uns vinte minutos. Tempo mais do que suficiente para um café.


Então eu passo a me mover como se fosse um senhor de noventa anos apenas para irritá-la. Insisto para que ela tome o café comigo. Eu mesmo estou sem fome mas não entendo estas mulheres que depois de passarem a noite com você agem pela manhã como se fossem meras visitas. Ela abre a bolsa e consulta uma agenda. "O que você vai fazer hoje à noite?", ela pergunta. "Fazer amor com você", eu respondo. Ela sorri e anota algo. Gostaria de saber o que.


Mais tarde na faculdade nos cruzamos em um corredor. Ela está com umas amigas. Não faço idéia do que conversam mas ficam todas em silêncio quando vêem um professor e eu vindo na direção delas. Ela me cumprimenta com os olhos como se há poucas horas atrás não estávamos os dois na mesma cama. Eu faço o mesmo. Elas passam por nós e o professor Homero insinua alguma coisa. Eu nem digo que sim nem digo que não. Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Bruna S.

domingo, 29 de julho de 2007

não sou o melhor dos anjos

Esta é a vida e ela nunca é fácil de viver. Você vai sangrar, você vai até morrer – mas às vezes tudo lhe parecerá perfeito como amigos que nunca desaparecem e músicas fáceis de pegar. Há dias que não escrevo uma poesia, isto só me aconteceu uma vez, mas quando foi não gosto de me lembrar. Acho que meus olhos estão um pouco cansados de só enxergarem o azul, apenas isto, amanhã estarei melhor com certeza, falarei mais do amor como se fosse ela que acabasse de entrar por aquela porta.

Desculpe se lhe dei a impressão de que tinha todas as respostas. Eu precisava lhe impressionar de alguma forma, não sou forte, não provoco paixões arrebatadoras, você me procura porque tem medo – medo de não ser perfeita como eu lhe vejo. Ninguém diz aquilo que a gente quer ouvir, quando vem alguém e diz, a gente se sente especial, depois fica morrendo de medo de que não seja verdade. A verdade é que podemos ser felizes, não todos os dias, nisto eu não acredito, mas o suficiente para continuar apostando. É pena que não fizeram duas dela. Imagino onde estaríamos agora com este frio que está fazendo e esta minha vontade de amor.

Eu sei que pareço ter perdido as esperanças. Não sou o melhor dos anjos. Você me dá a mão e eu a levo para caminhar em círculos. O problema é que eu já conheço o mundo, estive em quase todos os lugares, aprendi várias línguas, gestos e olhares – ele não é tudo o que falam, as guerras são freqüentes e a miséria enorme, existe o mar e o vinho eu sei, mas ainda assim é pouco, mesmo paris é suja, veneza fede e em buenos aires fui assaltado. É você que precisa conhecê-lo, não vai sair do lugar se continuar tentando me entender, temo lhe influenciar errado, eu quero ser o melhor professor que você já teve mesmo que isto signifique dizer que não há nada o que ensinar, apenas muito o que se aprender. Esta é a vida e ela nunca é fácil de viver.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Hanna Heavy

quarta-feira, 25 de julho de 2007

boa sorte e voe

Para Michelle

Ok, também fui ferido, mas sei que não passa disso, não será a primeira nem a última vez, estou me acostumando e esta é a pior parte. Não é porque tivemos algumas noites juntos que falaremos disso mais tarde. Vá ser feliz com o que “realmente” importa para você que hoje eu tirei o dia para analisar minhas outras alternativas. Encontrei coisas suas no meu closet, depois daquela festa, viemos para cá, foi quando bati aquelas fotos suas nua que se você soubesse onde guardo viria de noite rasgar.

Nem sempre sou fácil de entender. Às vezes abro meu coração, conto sobre o meu livro, pecados e viagens – mas sou um egoísta quando uso os dentes. Você vem, participa, mas sabe que não faz parte. Sempre ficará faltando alguma coisa. Chega um dia na vida em que nos sentimos por demais confortáveis em nossos mundinhos – entendiantes mas controláveis – para nos desafiarmos ir além. Eu vi que você era linda e lhe segurei até onde dava. Se sente que suas asas já estão curadas, boa sorte e voe.

Por não prometermos nada um ao outro, só cumprimos o que sentimos; por não haver regras, tudo nos permitimos; por não estabelecermos objetivos, tudo pode acontecer; por não definirmos o que é “amor”, outra coisa não fazemos que nos divertir; por conta do mundo não funcionar como gostaríamos, não nos importamos com o que vão dizer. Não fosse o tempo injusto demais com tudo o que queremos, acho que não teríamos problemas – não gosto de inventar filosofias de vida que justifiquem os erros que cometo mas às vezes me vejo obrigado a fazê-lo.

Num dia você não pode, numa noite você não está e elas se cansam, não dizem (ou não sabem como dizer) que queriam você somente para ela, e só o que você faz é agradecer pelas horas boas que passaram juntos quando no fundo daria tudo para que elas não fossem nunca embora. Quando mais tarde elas vêm devolver os seus livros, vocês têm uma recaída, o que é bem natural, isto porque sabem que era bom quando acontecia, não acham que aquela será a última vez mas entendem que pode estar sendo.
foto: Ricardo Pereira/ modelo: Maria Quel