segunda-feira, 31 de agosto de 2009

eu sei quando é você

Eu sei quando é você. Posso te prever há quilômetros de distância. Pensando num livro para mim. O que dizer então quando prestes a entrar por aquela porta, ter-me em suas mãos. Gosto como você me entende, numa rápida explicação, decifra-me e devora; das vezes que te reconheço em algo que eu digo como se aquelas palavras que aprendi ontem a noite contigo sempre tivessem sido parte do meu vocabulário, da minha forma de ser, de estar no mundo, como algumas de suas manias que eu tomo emprestadas: tirar fotografias da cama em que dormimos, pela manhã, toda desarrumada. Eu sei quando é você, se o telefone toca às dez e trinta, se um carro dobra a esquina, se minha pele arrepia, se do meu corpo se aproxima, se me conheço bem. Tanto faz a hora que você vem, se demora ou se bem perto, o meu relógio e o seu estão sempre certos, parecemos em sincronia. Você me chama a atenção para os detalhes nas histórias, o porque daquela luz naquela cena, como fazer de um dia como qualquer outro o verso de um poema – e quando eu acho que acabou você ainda faz aparecer um moeda atrás da minha orelha. Foto: Ricardo/ dela: Renata.

domingo, 23 de agosto de 2009

seu corpo sabe

O que me atrai não é o quanto já nos conhecemos, mas a sensação que tenho de que podemos ser ainda melhor. Não é a noite passada, o gosto bom que ficou, mas até onde vamos com esta história, quantas vezes esse beijo se repetirá e meu corpo estará com o seu. Saber que tudo é tão rápido, que a semana não é feita somente dos dias em que lemos os pensamentos um do outro, embora pareça, de tanto que pode durar um segundo quando este é único no mundo, fica indo e vindo, tantas vezes, na nossa cabeça. Você me pede que dê todos os detalhes, onde estávamos, como tudo começou, diz que tem noites que não sabe se acordou do meu lado ou se sonhou. Procuro ser fiel ao que eu sinto, não quer dizer que eu minto, apenas que não me importa mais de que cor era o seu vestido depois que o tirou, nem se não foi bem isso que sussurrou em meu ouvido, com as mesmas palavras exatamente, algo indecente que transformo numa jura de amor. Você me ouve atenta como se quando eu contasse aquilo ganhasse outro sabor, tanto faz se invento, exagero, faço poesia do que se passou, seu corpo sabe a verdade, seu corpo sabe que não imaginou. Foto dela: Duda.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

um amor.

Nem bem chegou, ela já foi embora. Temos vivido assim ultimamente: de pequenas doses. Sei, não é o suficiente, mas o pouco que embriaga faz com que esqueçamos que amanhã só em pensamentos. Ela me conta do que o corpo sente falta e que eu tenho sobrando, das músicas que guarda onde ninguém a toca, vontades que vêm do nada em meio ao livro que sugeri e como hoje aqui comigo parece que está sonhando de tão exato e cúmplice. Faz planos que nunca sei se são só da sua cabeça, uma forma de me manter com ela onde quer que esteja; juro que pensei que desta vez nos estranharíamos, mas bastou alguns minutos para vermos que ainda somos os mesmos. Ela me pede que guarde segredo de todo o resto, que não há nada que precise saber além do que o seu corpo deseja, são só por algumas noites que nos teremos, que quando voltar, no fim do ano, discutimos o que quer que seja. Até lá tudo perde a importância, tudo que não tenha lugar nessa cama; lembro que sou eu quem vai ter de conviver com aquele seu cheiro nos lençóis, nos travesseiros, toda vez que nela me deitar e ela me lembra que nem isso, que nem meu cheiro em sua cama terá. Foto dela: Hannah.

domingo, 2 de agosto de 2009

just like honey

para ler, de preferência, ao som de Just Like Honey

O que você tem? Nada. Ela perguntou e eu respondi. (Está do seu agrado assim ou dois personagens só não bastam? Não sou bom com multidões). Posso colocar uma música para alegrar o ambiente? Os discos estão ali, apontei. Ela foi procurar o que ouvir, achou um vinil empoeirado do Jesus & Mary Chain, Psycho Candy, de quando eu tinha a idade dela e ela nem tinha fumado o primeiro cigarro. Uma amiga me falou desses caras, a Letícia, disse que eu a conhecia, acho que sim. Era domingo e só chovia. Aquela era a única vida que eu tinha. Ela aos dezenove e eu beirando os trinta. Ela e sua tatuagem que nem o pai sabia. Juventude não é muito mais do que isso hoje em dia. Ela é de verdade, mas quando eu escrevo sobre ela gosto de pensar que é poesia. O tempo faz isso com a gente. Tudo de certa forma já aconteceu trocentas vezes e você apenas respira. Às vezes um beijo te surpreende, mas no geral você já conhece todos eles. Uma queria seios maiores, outra acabou de chegar da europa, aquela da praia, esta só come salada, mas os corpos são mesmos estes, alguma timidez aqui, nenhuma ali e você já se deitou com todos eles. O tempo é como contemplar o mar. Depois de alguns minutos o mar é só a ‘massa de águas salgadas do globo terrestre’ e você precisa inventar o resto dele, histórias com piratas, os olhos de quem te faz lembrar. Ela pede que eu traduza o que estão cantando, seu inglês não é tão bom quanto o meu. Mas o vocal é baixo, sussurrado, as guitarras mais pesadas, a bateria, não dá para entender tudo, então improviso, faço uma versão do que estou ouvindo como se fosse uma tradução do que estou sentindo.
Foto: Ricardo/ dela: Duda.