sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

disse adeus aquela tarde

Você veio, ficou, depois partiu. Posso contar esta história mil vezes e nunca será a mesma: acrescento uma palavra, às vezes uma frase inteira, conversas que não tivemos daquela maneira. Fui buscar você na estação, anos depois daríamos o mesmo beijo? Sua boca ainda é como me lembro? Achei melhor não pensar nisso, deixemos que as coisas sejam como sempre foram e mesmo que daqui para a frente sejam diferentes, o que sabemos do que passou permanecerá o mesmo. Peguei sua bagagem, coloquei no porta-malas do carro, pouca coisa, são apenas três dias e um deles nem é inteiro. Você se lembra da cidade e enquanto percorremos suas ruas se lembra de nós nesta cidade, as mesas do fundo, nossas preferidas, a luz da noite, o som dos nossos passos, faz perguntas sobre os bares que íamos, respondo como todos fecharam, como não tocam mais a nossa música, as paredes são de outra cor agora, os nomes dos drinques, o gosto da comida – vejo todo o filme, um pouco da nossa juventude, cabelos mais compridos, o seu mais castanho que vermelho; mas eu gostei dele vermelho, você fica mais real desta maneira, não é mais como me lembro, mas é como a vejo. Você tirou da bolsa um livro que tinha levado, nem tinha dado falta, você podia ter levado a casa inteira, cada papel rabiscado, cada canto coberto de poeira, que eu não daria falta, era você que eu não achava sem saber o que procurava, mas agora você me pede cabides para as suas roupas e eu me espanto que tenha um armário no meu quarto, onde estava ele que eu não enxergava; me pede algo para beber e eu descubro onde guardo os copos, as taças, foram anos bebendo tudo da garrafa, é como se cada coisa aqui voltasse a ter cheiro, forma, utilidade. Você veio para me lembrar que nome teria nosso primeiro filho, veio porque tinha saudade de como se lembrava que éramos, gostou da barba, me dá um certo um charme, mas se dissesse eu a teria feito. O que a gente quer não é o que vem depois que acaba, mas o que nunca deveria ter terminado. É como o livro que eu disse que faria, você cochilava enquanto eu o descrevia, eu apagava a luz e na noite seguinte continuava da mesma página. Agora não me lembro onde eu estava, nem você dos personagens, eu mudo o começo da história e você nem percebe que não é da mesma que se trata. Você veio para me lembrar como fazíamos, que significado tinha seu corpo para mim e o que ele agora significa, a gente não fez como se lembrava, fez como aprendeu nos anos seguintes com outros corpos, por isso a sensação de que algo não se encaixava por mais que se gozava. Você veio para me dizer que seu ônibus já estava saindo, beijei quem você é de verdade, sua boca está ainda melhor, eu me apaixonaria fácil pela mulher que você se tornou, mas é de outra que tenho saudade. Depois que você acenou, disse adeus aquela tarde, percebi que tudo voltou, não como me lembrava, mas como sempre esteve, percebi que nenhum bar fechou, que as paredes não têm outra cor, os drinques outros nomes, nem a comida novo sabor. Percebi que o que eu sentia por você ainda existia, apenas que não havia mais necessidade nenhuma, que nossa música ainda tocava, só que eu a ouvia como se fosse qualquer uma. Foto dela: Aline Monique.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

não nos conhecemos

Não nos conhecemos assim tão bem, apenas escutamos o que o outro está sentindo, o que ele acha que sabe sobre si mesmo e nem a isso nos prendemos. Elas me falam de suas vidas e eu imagino. E eu imagino como seriam enquanto adoço o café, acendo um cigarro, passo por uma rua da minha infância. E todo mundo têm histórias ótimas – mesmo que doam nelas aquelas histórias, ainda assim são ótimas, por causa delas não nos sentimos sozinhos, lembro do que me contaram enquanto volto para casa de carro, desligo o rádio para poder ouvi-las melhor na minha cabeça e enquanto me lembro acrescento pequenos detalhes que faltaram e as histórias que eram só delas se tornam minhas também enquanto faço a barba, passo uma camisa, olho como fiquei no espelho do armário. E você fica feliz delas terem sido reais em sua vida, delas terem gritado, exorcizado demônios bem ali na sua frente, delas terem chorado, delas terem se debatido, delas terem querido ficar contigo, delas terem existido. Você se sente culpado por não tê-las prendido tempo o suficiente entre os seus braços, a gente sempre acha que podia ter sido diferente do que foi e faz disso um álbum de fotografias que não tiraram – o qual folheia como se as visse. Mas por mais que eu me aventure dentro delas, apenas me distraem, no fundo eu não as conheço, nem a mulher que se ajeita ao meu lado na cama, nem a que se levantou para que esta ocupasse seu lugar e mesmo não as conhecendo posso falar delas por dias e posso dizer que música combina mais com o jeito com que se aproximam de mim e dançar com elas sem que saibam que tenho pernas, braços, coração prontos para isso e posso até me apaixonar por elas enquanto espero o elevador, o filme começar, a chuva passar. Foto dela: Quel.

domingo, 7 de dezembro de 2008

do seu castelo de cartas

“... não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins...”
(Carlos Drummond de Andrade)


Você procura, encontra, depois procura de novo, nunca me preocupei se isto teria um fim, não me parece ser disso que se trata, mas de quem vamos nos tornando ao longo dos anos: antes você queria se soltar, hoje ter onde se agarrar – quem fez de tudo para ser expulsa do paraíso agora vem pedir para voltar. Isto não lhe soa engraçado? O que antes era a melhor coisa a se fazer agora parecer errado?

A gente só percebe que está vivo quando algo dói. A maior parte do tempo nem sabe se tem fome no mundo. E bebes e comes e ris. Mas aí quando se dá conta de que não é superior a porra nenhuma, que também sente as intempéries do tempo, seu castelo de cartas desmorona e você corre pedir colo com o rabo entre as pernas como se antes não fosse a primeira a negá-lo. Se quer fazer uma revolução comece pelo seu coração. Não coloque a culpa nos vizinhos da frente: você também já gostou de fazer com a cortina aberta pouco se importando com o que iam pensar. Não é estranho quando é você quem fala em regras? Fica se sentindo uma velha: sua mãe, seu pai, sua tia. Se eu lhe disser a minha idade você vai dizer ‘não parece’ como se eu fosse um menino de tão desobediente.

O fim disso tudo, creio, está na gente mesmo, no nosso próprio cansaço, não naquela de ontem ou nesta que acabou de sair. Elas representam horizontes, possibilidades, noites inteiras assim, muita saudade. Como saber o que me espera? Se o que ela diz é só um jogo de palavras para me confundir? Eu sei que uma contou para a outra quais eram os meus pontos fracos, eu sei ao mesmo tempo que não sei como reagir de outra forma, vou acabar por sucumbir, tenho compromisso somente com a minha pele, caso contrário, seria o mesmo que me trair, não teria o que escrever e você iria dormir; o que parece ser uma grande verdade, só serve para mim, não peço a ninguém que tente me acompanhar, que cada um cometa os seus próprios erros, chegue você a algum lugar: hoje na minha cama, amanhã na sua, não dá para saber como esta nem história alguma continua, metade do que faz brilhar os olhos é algo que a gente imagina. Se é amor o que você quer, podemos até tentar, mas desde quando isso é uma garantia? Você fala como se tivesse sido sempre honesta com o que sentia – responde uma coisa para mim, my dear: se lembra de alguma vez em que foi cruel com quem não queria? Amor não é só aquilo que você sente, como você sente, como você entende. Para você será de um jeito, para mim será diferente. O mesmo se aplica aos vizinhos aí da frente.
Foto dela: Stella.