“(...) Para Tereza, o livro era o sinal de reconhecimento de uma fraternidade secreta. Contra o mundo de grosseria que a cercava, não tinha efetivamente senão uma arma: os livros que pedia emprestados na biblioteca municipal; sobretudo os romances: lia-os em quantidade, de Fielding a Thomas Mann. Eles não só lhe ofereciam a possibilidade de uma evasão imaginária, arrancando-a de uma vida que não lhe trazia nenhuma satisfação, mas tinham também para ela um significado como objetos: gostava de passear na rua com um livro debaixo do braço. Eram para ela aquilo que uma elegante bengala era para um dândi do século passado. Eles a distinguiam dos outros. (...)” (de A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera)
Quando estou em casa passo a maior parte do tempo na "biblioteca". Chamo de biblioteca embora funcione mais como um escritório. Foi o único aposento da casa em que não arredei o pé quanto à distribuição dos móveis pelo ambiente. Deixei o restante da casa aberto a toda a sorte de palpites. Vem uma namorada e coloca os móveis da sala, dos quartos, numa ordem, outra mais tarde vem e os arrasta como se assim apagasse quaisquer vestígios da ex. Eu apenas sorrio concordando como se aprovasse inteiramente quando no fundo tanto faz. Elas se sentindo à vontade está tudo bem para mim. É na biblioteca que as testo.
Quando estou em casa passo a maior parte do tempo na "biblioteca". Chamo de biblioteca embora funcione mais como um escritório. Foi o único aposento da casa em que não arredei o pé quanto à distribuição dos móveis pelo ambiente. Deixei o restante da casa aberto a toda a sorte de palpites. Vem uma namorada e coloca os móveis da sala, dos quartos, numa ordem, outra mais tarde vem e os arrasta como se assim apagasse quaisquer vestígios da ex. Eu apenas sorrio concordando como se aprovasse inteiramente quando no fundo tanto faz. Elas se sentindo à vontade está tudo bem para mim. É na biblioteca que as testo.
Uma das primeiras coisas que faço quando trago uma mulher em casa é apresentá-la a eles: os livros. Fico na minha observando o modo como elas se comportam diante dos livros, correndo os olhos pelos títulos como que a procurar algum velho conhecido, ou escolhendo um deles para folhear. Como aprecio os livros, gosto de mulheres que tenham o mesmo interesse. Uma vez comentei que a primeira coisa que reparava em uma mulher era justamente o livro que ela estava lendo. Uma licença poética, naturalmente, mas todos nós temos direito a uma licença poética.
É fácil identificar pela maneira como uma pessoa manuseia um livro se se trata de um objeto estranho às suas mãos ou se íntimo. Elas não entreabrem o livro num página qualquer lá pelo meio, elas primeiro procuram se informar sobre aquele objeto deslizando os dedos suave e carinhosamente pela sua capa enquanto examinam o que diz a orelha, depois vão folheando lentamente página por página até chegarem ao primeiro capítulo, lêem um ou dois parágrafos para sentirem o grau de tesão que o livro exerce sobre elas: paixão ou curiosidade. Não estranhe se terminarem a inspeção aproximando o livro de suas narinas como se através do cheiro pudessem extrair a qualidade do livro com a mesma precisão que um enólogo busca atingir ao aspirar o aroma de um vinho.
Confesso que se a mulher tiver outros atrativos interessar-se pouco ou nada pelos livros não será obstáculo algum para engatarmos algo. Entretanto dificilmente vou conseguir com esta mulher a mesma cumplicidade que desenvolvi com outras mais leitoras. É comum que pergunte à uma mulher pela qual esteja atraído se já leu "A Insustentável Leveza do Ser", do Milan Kundera. Caso a resposta seja negativa ofereço de presente um exemplar (sempre que encontro o livro numa sebo em bom estado compro um - tenho no momento três deles no estoque), caso já o tenha lido peço a ela que responda-me se se identifica mais com Tereza ou com Sabina, as personagens femininas do romance. Dependendo da sua resposta saberei melhor o que esperar daquela mulher. Eu tenho, obviamente, uma preferência por um dos tipos, mas não revelo, comprometeria o teste.