quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

abre uma janela

vamos fingir que não é com a gente?

Você está de volta. O que me conta de novo? Está linda neste vestido, me lembra o que já vivemos. Tenho sede e me apaixono, não sei guardar segredo. Não demora e nos beijamos, como se estivéssemos vendo o mesmo filme. A cidade é um convite, mas eu tenho muitos discos. O tapete da sala está aí para isso, assim como as almofadas. Não é o que estou dizendo, mas no que faço você pensar que nos aproxima. Que bom que me ligou, não achei que se importaria. Esqueci porque acabou, mas não do que havia. Ainda estou em débito contigo, muitas noites para colocar em dia. Acho que meus melhores poemas fiz em sua companhia. A gente era feliz, só eu que não sabia. Se tenho onde me agarrar por que não me agarraria? Se ela resolveu ficar por que eu me oporia? Sabemos como vão falar da gente aqui outra vez, mas para isso inventaram as cortinas. Se você casou e teve filhos, só não me mostre as fotografias. Vou acreditar em tudo o que disser, mesmo que seja mentira. Adoro essa música que começou a tocar, lembra os lugares que a gente ia. Não precisamos resolver tudo esta noite, apenas pedir uma pizza. Tenho uma garrafa daquele vinho, achei que você viria. Você faz aquela cara de quem têm seus pensamentos lidos. Daqui até minha cama o número de passos ainda é o mesmo. Foto: Ricardo/ ela: Érica.

domingo, 25 de janeiro de 2009

nem só de personagens vive um romance

... um raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, mas da segunda vez que cai deixa de ser uma novidade...

Gostei que tivesse vindo, eu contei os dias desde que soube que você apareceria pelos lados de cá, até deixei de atender o telefone, inventei que fui viajar, não queria que nada nos atrapalhasse, no último instante eu pediria para você ficar, de um jeito que não tinha como recusar, estava tudo planejado, mas não tive coragem, ou melhor dizendo, não tive vontade; nos beijamos e fizemos amor, mas nos beijamos e fizemos amor já sabendo que era tarde, um raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, o que explica a fome em nossos corpos, as marcas que ganhei e aquelas que deixei em sua pele, mas da segunda vez que cai deixa de ser uma novidade, isso explica nossa falta de assunto, o meu desinteresse por suas aventuras pelo mundo e o seu olhar perdido enquanto eu tentava me apaixonar pelo que tinha de mudado em você depois de um ano distante. Você vai embora sem saber que existiram noites que eu achei que não suportaria e eu vou me despedir de você sem saber da carta que não terminou porque demorei no banho menos tempo que previra – eu só fui encontrar o que começou a rabiscar na manhã seguinte quando fui pôr para fora o lixo da cozinha. Mas finalmente posso voltar a respirar, o seu perfume já me embrulhava o estômago, acho que você derrubou um vidro no dia em que chegou, pelo menos encontrei serventia para as velas aromatizadas que ganhei da Clara. Têm cheiro bom de alfazema. Dizem que ajuda a harmonizar o ambiente trazendo energias positivas. Eu não acredito nessas besteiras, mas agradeço o presente. Acho que vou atender o telefone se ele chamar, convidar a Jane para ir ao cinema, ver a Letícia tocar, revelar as fotos da última viagem, se me perguntarem onde estive todo esse tempo direi que fui ver o mar. E que você nunca esteve lá. Foto: Ricardo/ ela: Flora.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

vieste na hora errada

Você respira ao meu lado e eu sem cabeça para isso. Se fosse uma noite fria, eu pelo menos a abraçaria e talvez você acordasse de manhã convencida de que algo começou entre a gente, mas eu nem me lembro do seu nome embora você tenha me dito ele dezenas de vezes e eu nem sei sobre o que você está falando embora concorde com a cabeça como se acompanhasse atentamente. Ouço sua voz ao telefone e penso que é minha gerente do banco querendo me fazer uma proposta: vamos nos ver esta noite, sugere – e eu concordo desde que não falemos das minhas finanças. Descobri que você era bonita porque alguém perguntou quem era aquela morena bonita com quem me viu na última quinta, também descobri que você era morena dessa forma. Tive dificuldade para me lembrar de quem estavam falando, tive dificuldade para me lembrar quando foi a última quinta e onde estava que nos viram. Talvez você seja uma mulher incrível, tudo indica que sim, mas olho para você e só consigo ver quem você não é. E se você não é quem estava aqui antes, você só faz parte do cenário como as cinzas do cigarro, a noite pela janela, a tevê sem som, o restante da mobília, algo que me acontece e acaba. Vieste na hora errada*, corrijo a canção que o Ivan Lins cantava. Acho que precisava saber disso porque toda vez pode ser a última vez e eu não quero que você se culpe por aquilo que eu não sinto. Aquilo que eu sinto ainda está preso em outra história, falta poucas páginas, mas ainda não me decidi se quero descobrir se o fim será como imagino. Não me olhe assim como se eu fosse o seu poeta preferido, o verso que você acha que fiz para você eu já tinha ele escrito. Foto: Ricardo/ ela: Penélope Charmosa.

*Vieste na hora exata/ com ares de festa e luas de prata... (de Ivan Lins e Vitor Martins)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

aquele "F" sou eu

para Tay

Ouvi dizer que você anda por aí, neste mesmo mundo que eu, não sei se perto, não sei se ocupado a esta hora do dia, a caminho de casa escolho as ruas que acho são a sua cara e conheci uma cidade que eu nem sabia que existia mas que me lembram suas histórias, e tenho lido os livros que você menciona, me identificado com cada personagem, chorado e me apaixonado e tem frases deles que não me saem da cabeça e eu queria muito usá-las numa conversa com você, é que às vezes é como se eu ainda estivesse em suas páginas, visitando lugares que eu nem sei dizer direito o nome ao motorista do táxi e tenho ligado na rádio e pedido as músicas que sei que você ouve e tenho usado um pseudônimo quando faço isso, Holly Golightly, você vai entender, e tenho cantado junto com você cada letra, assobiado cada melodia e tenho dançado com amigos que faço em festas e tenho me deitado com corpos que nem sei se com o seu se parecem, mas tenho feito amor com eles como se fizesse contigo, mas eles nem sabem porque fui tão selvagem, porque me entreguei daquele jeito, é algo que eu nem sei direito prever quando vai ocorrer quanto mais explicar sem dizer o seu nome, e tenho vestido roupas em que talvez você goste de me conhecer e tenho me despido para o espelho como se fosse para você e tenho gostado mais do que vejo quando acho que você me vê e tenho conhecido gente diferente, gente estranha, gente esquisita, gente que eu sei que você gostaria e temos falado alto e feito bagunça de noite e quem sabe isto acorde o seu vira-lata e você venha até a janela saber do que se trata e temos dirigido por avenidas na hora em que elas estão mais vazias e eu tenho encostado minha cabeça no ombro mais próximo como se fosse no seu que encostasse e tenho bebido nos mesmos bares que você freqüenta e tenho pedido o mesmo drinque trocando o rum por vodka como eu acho que você faria e descobri a mesa em que você se senta e a letra do seu primeiro nome feita com canivete na madeira e escrevi ao lado dela a primeira letra do meu mas ficou parecendo outra, por isso não estranhe aquele “F” ao lado do que escreveu – aquele “F” sou eu. Foto dela: Tay.

domingo, 4 de janeiro de 2009

a falta que faz

2008 que não termina


Depois que acaba você pensa se não era melhor que nunca tivesse acontecido. Fica a sensação de uma história incompleta a cada novo passo que se dá, é algo que só você sabe que carrega e pesa mas que precisa continuar sorrindo da mesma maneira como se não estivesse lá; você não sabe se se afasta o mais depressa ou se permite que no corpo os sentimentos todos doam até quem sabe se acalmarem – a questão é: existe alternativa para a falta de ar?

Não haverá outra chance igual a esta, numa vida igual a esta, nas mesmas condições ideiais de temperatura e pressão, porque apesar de ser ‘macaco velho’ quando o assunto é amor, você nunca sabe quando algo começa e porque começa, nem se sente capaz de voltar ao estado que era antes dela te tocar porque a partir de agora no seu corpo você convive não com a sensação de onde ela te tocou mas de onde ela não vai mais te tocar, é como um fantasma na sua pele, você quer e não quer exorcizar, quer e não sabe, se alguém souber não me diga, a dor é minha amiga, ela me lembra dela e conversa comigo sobre ela, só dói porque é repetitiva, não conta as novidades, só o que ela já sabe: o que tivemos, como éramos, como termina.

A gente aumenta o volume da tevê para pensar em outra coisa e se sente mal quando percebe que o conflito na faixa de Gaza parece fichinha diante do conflito dentro de você. Noites inteiras não foram suficientes para tudo o que você sentia e agora você acredita que se tivesse pelo menos mais duas horinhas ela sentiria tudo o que explode dentro de você, coisas que podia ter dito, gestos que poderia ter feito, idéias que passaram pela sua cabeça, daquelas que dão um giro de 180 graus na sua vida e na dela. O problema de não se definir mais o que é amor hoje em dia é que quando é amor você não sabe mais como dizer, só descobre quando é tarde demais para saber. Daquele corpo que ora lhe tocava por descuido ora lhe tocava com paixão apenas a falta que faz, o frio que antes eu não percebia, a solidão de que eu já não me lembrava mais.
Foto: Ricardo/ dela: Stella.