terça-feira, 22 de novembro de 2016

desculpas

Tinha vinte e nove anos quando ela partiu. Depois disso nunca mais me envolvi com ninguém completamente. Estive em inúmeras camas, só de corpo presente. Peço desculpas por isto. Principalmente às que não perceberam. Em nossa última conversa fizemos planos. Nunca mais fiz planos com ninguém. O futuro não é certo como aprendi aquele dia – quando voltei para a casa para onde a gente se mudaria e dei de cara com as nossas fotografias. As poucas que fizemos em um ano e meio. Ela queria registrar tudo, eu era mais reticente. Acreditava que duraria para sempre, que não precisávamos gastar filme com algo que era tão presente. Hoje não acredito em nada que pareça para sempre, não digo que amo nem gosto de ouvir, peço desculpas por isto, a todas que me disseram, a todas a quem queria ter dito. Dediquei a ela minha última poesia. Depois disso eu só me repetia. Conquistei com versos que nada diziam. Peço desculpas por isto também: a todas as mulheres que não amei como mereciam. Muitas perdi, algumas preservei: amigas queridas na noite comprida. Na modernidade líquida me agarrei, nos amores líquidos, queria ser diferente, mas não sei. Foto dela: Liliann.

domingo, 23 de outubro de 2016

você não precisa de mim


para helena m. 

Você não precisa de mim para ser por isto posso partir pela manhã como quem nem esteve ali. Não há nada para dizer, nada que me mantenha aqui além do que você já me quis, deixo a cama devagar como quem sabe ocupar um lugar que não lhe diz. Antes de sair procuro apagar todos os vestígios meus, não fiquei de te ligar nem mesmo de voltar, nada se prometeu. Fecho a porta atrás de mim como se fosse o fim. Já na rua, respiro o ar de um novo dia, um minuto a mais e, um ao outro, sufocaria. Você acorda como quem sonhou, dormiu nua porque estava calor, embora seu corpo todo saiba que fez amor. É uma segunda-feira cheia de coisas mais importantes: terminar uma tela, cortar só as pontas, viver a sua maneira, ninguém paga suas contas. Ainda demora para ser noite de novo, para esticar o braço para o que está fora da gente, não dentro, não por um vazio que se preenche. Pode ser que me procure, pode ser que não me encontre, não precisa ser o mesmo da noite de ontem. Não há cobrança nem dor, o que um dá o outro não sente que conquistou, importa só quando se tem entre – as pernas, os braços, os dentes. Foto dela: M. Palmieri.

domingo, 26 de junho de 2016

o meu aprendizado

Poderia ter o homem que quisesse e, ainda assim, escolheu-me, mesmo que seja por algumas noites é grande a responsabilidade. Se está fugindo de algo, sendo quem, de fato, é, entregando-se ao que tem vontade, não me foi dado o direito de descobrir, então, aceito o que me diz, aquilo que me der, o quanto precisar de mim, busco, dentro do possível, retribuir. Não sei se estou a altura, e é isto o que mais me tortura, porque entre ela chegar e partir, não há como não apaixonar-se – e, então, agarro-me ao que resta, a cama para arrumar depois da festa, como vestígios de que fui feliz. Abaixo os meus braços antes que os perceba estendidos em sua direção, quando levanta e começa a se vestir, querendo que ela fique mais do que o combinado, quando o combinado foi o que ela decidir. É apenas sexo, pelo menos deveria ser, “assim ninguém se machuca” eu mesmo dizia no começo, sem imaginar que isto cobraria um preço. No íntimo, sei que mereço, que reajo, assim, por egoísmo ou brio, já que nunca me entreguei a ninguém, só o suficiente para me proteger do frio; e que, portanto, teria contas a acertar com o meu passado, que ela representaria todas as mulheres a quem não teria se entregado, a vingança do seu sexo e o meu aprendizado. Foto dela: Laura.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

hoje é domingo


Mas não me olhe assim como quem precisa se explicar, o que aconteceu fica entre a gente, não deixa esse quarto, se pedir mais podemos conversar, mas se considerar que uma noite foi o suficiente, entenderei perfeitamente, sei tudo o que tem passado, sentido, guardado, que ontem precisava mais do que de um simples confidente e que como era eu quem estava, como sempre, ao seu lado, foi me dado este presente. Mas não me olhe assim como quem precisa se vestir depressa, chamo um táxi se quiser, mas o que eu queria mesmo era te preparar o café, fazer você entender que a noite passada não muda nada entre a gente, se ela durou exatamente o que tinha de durar. Mas não me olhe assim como se tivesse me usado, aqui nessa cama não há inocente nem culpado, tudo o que você me deu eu já havia desejado, embora temesse que quando acontecesse pusesse fim ao que tínhamos antes – quantos bons amigos deixaram de sê-lo após se tornarem amantes? Mas não me olhe assim como se tivesse de tomar uma decisão, hoje é domingo pede cachimbo, o que for melhor para o que está sentindo tem a minha aprovação, se for para te ver sorrindo sem esse ar de preocupação. Foto: F. Weiller.