quinta-feira, 9 de agosto de 2007

romance barato

para bruno ribeiro e geraldo magela,
dois perdidos na noite suja

A desculpa para a fila andar tão depressa é a busca por uma garota que seja definitiva. Do mesmo jeito que escrever um romance não pode ser escrever qualquer romance, tem de ser algo definitivo, o primeiro e último, do tipo antes e depois. Enquanto isto não acontece, nem uma coisa nem outra, vamos nos acostumando com trepadinhas e ambiciosos projetos literários que nos mantém vivos. Então não achar a história certa passa a ser uma desculpa também. Se sua vida é (e todas são) apenas mais uma, você finge que não, porque no seu íntimo há um romance sendo escrito e reescrito todos os dias.

Então a garota da vez chega na porta do seu escritório, enrolada no edredon, reclamando sua ausência ao lado dela na cama, tá frio, diz ela, quer quem a esquente. Não é nem de longe um pedido, é uma ordem, você atende, para tudo o que está fazendo porque trepadinhas assim viciam e a ilusão do grande romancista já se desfez. É que você teve uma idéia maluca, pensou que era algo super original, incrível, que ninguém nunca tinha pensado antes e valia a pena arriscar, ou porque estava embriagado demais ou porque acabou de dar uma especialíssima e correu para o computador confundindo orgasmo com inspiração. É que nesses minutos após uma bem dada (daquelas em que damos graças a deus por termos nascido homens) você tem todo o direito de se sentir o cara mais foda do mundo. A garota ali do seu lado é uma mera coadjuvante: fácil demais para você propor algo sério, ainda que você se arrependa de ter insistido tão pouco depois que elas se vão. Tudo bem que na noite seguinte será outra. É que trepadinhas assim viciam.

Neste tempo entre uma e outra você oscila entre o fracasso e a genialidade. Não avança uma linha sequer em seu clássico da literatura mundial. Só se realiza mesmo quando vai quebrando pouco a pouco a resistência da ninfetinha, esta coisa vulgar de dizer o que ela quer ouvir, de libertar ela de tudo o que a prende ao chão, de parecer grande quando não passa de um pulha. Então você acha que a grande diferença entre seus poemas e os grandes poemas é esta mesmo: os caras escreveram aquilo para serem grandes, geniais, estudaram a coisa, capricharam pacas; e você, nada disso, escreveu aquilo com um único fim: papar a princesinha. E nem precisava tanto, ela nem sabe quem é Modigliani, para que meter um verso em meio aquela zoeira de palavras todas comparando a beleza dela com um Modigliani? A garota nem consegue dizer o nome do autor de Crime e Castigo e você só faz achá-la mais “desfrutável” por conta disso. Depois ela ri como se fosse de uma piada quando você lhe diz só o primeiro nome do russo: Fiódor.

Nunca vi tantos livros, ela diz, passeando sem interesse os olhos pelos títulos de sua estante. Então esta é a minha última conquista: uma estudante de relações públicas. Houve tempos em que eu era mais profundo, acho que agora eu estou querendo provar algo imbecil para mim mesmo. Uma coisa meio machista do tipo você ainda pode. Você gostaria é de ser Charles Bukowski mas sabe que não agüenta o tranco, é sensível demais para isto. O mundo das ruas te excita mas você prefere usar sua força para abrir uma garrafa de vinho.

Garotas assim não podem com um Lambrusco, é o máximo de classe que conseguem atingir. Duas taças e ficam molinhas molinhas. Os caras da idade dela não sabem tratar uma mulher, só sabem falar de filmes de ação e carros. Elas ali se achando as coisas mais espertas do mundo, as maduras, as ‘cabeças’, as experientes, só porque estão na toca de um sujeito que tem idade para ser o professor delas. Querem aprender, eu ensino. Disso não vai sair um romance. Eu bem sei e é uma droga. Quem sabe um conto desses que as editoras recusam porque você ultrapassou o limite permitido de divagações entre as obscenidades.

Proust não precisou de uma coisinha linda dessas para escrever uma linha que fosse. Papel e tinta foram suficientes. E eu com esta tecnologia toda dizendo “vem me amar gostosinho” faço da minha literatura um amontoado de papel amassado. Não é a garota certa nem o romance certo. O problema é que eu estou me viciando além da conta nestas trepadinhas. A garota com a cabeça entre suas pernas e você pensa no romance barato que está escrevendo noite após noite. Sei que alguém vai gostar, vai dizer que é demais, mas é só a opinião de algum perdido na noite suja, os críticos vão me dar uma recepção seca, não demora e saio por três reais numa sebo da cidade. Todo mundo me folheia mas ninguém me leva. Na orelha algo do Bruno, falando mais do sujeito que de seu livro. Na capa um nu feminino. Um título assim sem dizer muito – “numa balada só” – e o meu nome um pouco abaixo. Acho que estou começando a gostar da idéia.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Renata Punk