segunda-feira, 30 de junho de 2008

tem uma aranha no seu braço

fiz para a mel

Tem uma aranha no seu braço
que arrepia só de pensar:
que carícia ela fará pelo seu corpo
quando se pôr a caminhar.
Será que sobe pelo seu pescoço
sem saber porque vai;
desconhecendo que é o gosto
dos seus lábios que a atrai.
Ou será que prefere outra direção:
circula em torno dos seus seios
como que buscando um meio
de penetrar seu coração.
Quem sabe toma o caminho
das suas costas
como um peregrino sozinho
em busca de respostas –
mal sabe ela o que a espera
se não desistir e seguir em frente:
encontrará a terra prometida –
privilégio de poucos penitentes.


Poema meu. Foto dela.

sábado, 21 de junho de 2008

ela não gosta de poesia


para natália


“...como se eu fosse o saudoso poeta e fosses a paraíba” (caetano veloso, terra)


Pergunta-me do que a gente é feito e eu respondo ‘das histórias que contamos sobre nós mesmos’. Estou falando de mim, deste quarto escuro aqui, ela eu não conheço, ela eu quis conhecer e o que conheci foi só até a pele, depois disso me perdi. Porque já me apaixonei duzentas vezes sempre acho que posso me apaixonar outras duzentas que tudo bem. Pelo menos não preciso sonhar como era o seu cheiro, nem imaginar o gosto que tinha seus lábios, o perfume em seus cabelos, porque tudo que me foi permitido, tudo que me foi confiado, dito ou sussurrado, ficará guardado aqui comigo, neste quarto escuro – que o sol ilumina quando dela me lembro. Será que ela volta em dezembro?


Porque não se vive muitas vidas é que a gente se agarra a única que tem. Comete erros querendo se manter vivo, não diz na hora o que quer dizer, ou até diz e não é compreendido, há quem não fale a mesma língua, há que se entender isto, nem todo mundo sente da mesma forma, nem se deixa influenciar por essa lua e esse conhaque que me botam comovido como o diabo. Pelo menos bebemos vinho. Nos embriagamos e foi bom. Será que conto para ela que não tirei os olhos dela enquanto dormia?

Estou sendo injusto com ela dizendo que ‘ela não gosta de poesia’, mas sorry my dear, o apelido ficou marcado. Estou sendo injusto com ela desde o dia em que soube que partiria porque devemos nos lançar no mundo: lançar-se no mundo é o maior dos aprendizados. Estou sendo injusto porque estou pensando só em mim, neste quarto escuro aqui, onde o cheiro da sua pele, o gosto dos seus lábios, o perfume em seus cabelos, tudo que me foi permitido, tudo que me foi confiado, dito, sussurrado, ficará guardado – não porque faz parte do passado mas porque não tem como ser esquecido. Será que eu vou sentir saudade até do seu cigarro fedido? Foto: Nelson Luis Abraao, Anjo fuma?, 2007.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

há quanto tempo

para três, quatro de dez anos atrás

Há quanto tempo, pensei quando a vi e você me disse que pensou a mesma coisa. E era verdade. E era saudade também. Não nos lembrávamos quando tinha sido a última vez, não queríamos lembrar era o mais provável, acho que depois daquela festa na casa de não sei quem em que fomos embora mais cedo sem nos despedirmos de ninguém e no caminho discutimos por causa de não sei quem e não discutíamos por causa de ninguém mas por culpa de nós mesmos, era só uma forma de colocar a culpa numa terceira pessoa que não existia sequer na cabeça da gente. Na semana seguinte você veio pegar suas coisas, sabia que eu não estaria em casa aquela hora do dia, deixou a cópia que tinha da chave com o porteiro e nunca mais apareceu, nem um bilhete escreveu (“não sou tão boa com as palavras como você”), queria lhe dizer que você ficou com um livro meu, talvez sem o saber que me pertencia, pensei em ligar pedindo ele de volta mas achei que você entenderia isso como uma desculpa minha para confundir sua cabeça outra vez. Alguns meses depois encontrei uma outra edição numa sebo que gosto e comprei. Mas não era a mesma coisa, não era o mesmo livro de certa forma, nem era a mesma idéia que eu fazia dele, perguntava para que me servia toda aquela poesia, desnessária, inútil, para certas conversas que tivemos, acho que nunca mais o folheei, vinha-me a cabeça quando o procurava na estante a idéia de que você ainda o lia e que quando o fazia pensava por alguns minutos em mim e em onde eu estaria naquelas noites em que lha faltava poesia, depois achava que aquilo era coisa só da minha cabeça, que você nem lembrava mais que aquele livro me pertencia ou que um dia você me pertencera também. Por isso não perguntei mais do livro, nem naquele dia, nem quando você me passou seu novo telefone eu liguei como não liguei para o número velho também, o velho que você achou que eu tinha mas fazia tanto tempo que a gente não se via que provavelmente o velho telefone a que você se referia eu nunca tive também. Mas foi bom. Foi bom lembrar que já tive vinte anos e que quando tive vinte anos você tinha vinte anos também. Foi bom lembrar toda a maluquice que a gente fazia e tudo o que a gente pretendia fazer. E como em certo momento eu já não tinha mais certeza se toda a maluquice que a gente dizia que fazia a gente realmente fez ou só disse que fazia ou será que fez mas com outras pessoas e que agora confundia. Como a viagem da qual me lembrei e que agora sei que a gente jamais a fez. Fui ver as fotos do que eu dizia e era outra que ao meu lado sorria. Mas algo naquela que me sorria me fazia se lembrar de você também. E nem era porque ambas se pareciam porque ambas não se pareciam nem um pouco. É porque me lembrar de você, dela, de quem mais seria, me devolve um pouco da poesia daqueles dias, da poesia que aquele livro dizia e que você acho nem sabe se ainda o tem. Foto: Ricardo Pereira/modelo: Duda.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

a cidade é enorme

A cidade é enorme. A gente é só uma janela iluminada. Será que apenas assistimos tevê ou fazemos amor no tapete da sala? A gente nem conhece os nossos vizinhos. Não sabemos em que ela trabalha, para onde vão todos os domingos, apenas a que hora sempre jantam porque podemos sentir o cheiro da sacada, você acende um cigarro, eu preparo um drinque, depois ficamos em silêncio enquanto eles discutem, aquilo nos deixa constrangidos, pensamos como é bom não ter os mesmos problemas, depois apagamos as luzes e vamos dormir.

Eu estou escrevendo um livro, a idéia de viver com um escritor costumava deixar você excitada, hoje você lê enciumada o que rabisco, a personagem principal lembra uma mulher do meu passado, dei o seu segundo nome à ela mas não adiantou nada, é como se eu buscasse corrigir uma parte da minha vida. Algumas alunas vieram fazer uma entrevista, um trabalho de faculdade. Eu disse que para mim ‘escrever é que é a vida, enquanto viver é só um rascunho, algo de onde partir’. Não queria dizer nada, você deu mais importância aquilo do que eu mesmo, acho que elas nem gravaram, só conseguia pensar que tinha a mesma idade das alunas que vieram me entrevistar quando me conheceu. Tinha lido alguns dos meus contos, a idéia de viver com um escritor costumava deixar você excitada, achava que nossos assuntos seriam outros, gostaria de ficar apenas sentada ao meu lado observando-me falar, imaginando como seriam quando aquelas palavras fossem para o papel, no formato das letras, na qualidade da impressão.

Mas a cidade é enorme, eu já disse, a gente não passa de uma janela iluminada. Nossos vizinhos não nos conhecem. Não sabem que a personagem principal do meu livro lembra uma mulher do meu passado, nem que você tinha a mesma idade das alunas que vieram me entrevistar quando me conheceu, apenas a que horas jantamos porque podem sentir o cheiro da sacada, ela acende um cigarro, ele prepara um drinque, depois ficam em silêncio perguntando-se porque nunca se ouve conversa no apartamento ao lado, aquilo os deixa intrigados, pensando como é bom não ter os mesmos problemas, depois apagam as luzes e vão dormir.
Foto: Nelson Abrahão Filho/ arte: Cris Maria.