quarta-feira, 15 de agosto de 2007

uma hora e meia

para N.

Eu estou aqui e você esteve aqui. Uma hora e meia. Pouco. Quase nada diante da velocidade do mundo. Mas quer saber de uma coisa? Nada mais importa, nada mais interessa, nada mais com o seu gosto, com as suas idéias, vivo numa cidade poluída e você me ensinou uma avenida que dá no mar, vou procurar você nas músicas que ouvir e sei que vou encontrar. Sua voz triste me lembra que às vezes temos de voltar à vida real. Eu inventei uma vida-poema para que você nunca fosse embora, todas as outras mulheres da minha literatura só servem para me dizer que você existe e não é uma delas. A gente bem podia caber naquele disco tocando – de quem é este sentimento na vitrola girando?

Eu estou aqui e você às vezes demora. Tem o trânsito tem a guerra lá fora. Todo dia que nasce para ser a mesma coisa. Sei que preciso pagar as minhas contas, não dá para ser poeta sempre, no jornal é aquela farsa de a culpa é dos políticos etc e tal, na volta para casa é tanta miséria que tomo um tiro, preciso do seu silêncio, da sua paz, desta uma hora e meia que tanta diferença faz. Estou estudando uma fórmula para que você fique, para que você fique mais, seja para sempre, não como um segredo que me anestesia um pouco, mas como uma cura definitiva, o fim da história.

Eu estou aqui e você temo que vire fumaça. Existem todas estas horas em que você não vem me chamando para a rua. Eu não sou tão forte como lhe prometi, preciso de um vício que dê conta, meu nome numa outra boca, malditas sejam todas as uma hora e meia do meu desejo – porque sempre às migalhas se a fome é de uma vida inteira? Um dia quando não mais ligar o corpo à paixão, você poderá ser qualquer chance, estarei acima do amor, livre para ser escritor: sua lembrança – a dor e a verdade – será só da personagem e você-real apenas miragem.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Belinha