sábado, 31 de outubro de 2015

sinto que lhe devo


Sinto que lhe devo, gostaria de pagar. Não serve como desculpa eu sei, mas estava com a cabeça em outro lugar. Quando apareceu na minha vida, eu vinha de uma história mal resolvida, onde ainda lutava para ficar. Nada disto lhe dizia respeito, mas de alguma forma acabou atingida, porque merecia que eu estivesse com ela por inteiro e não apenas para curar uma ferida. Na cama era outro o corpo que eu amava, o seu apenas o substituía, o meu apenas representava, fazer amor doía, machucava. Não dei ouvidos ao que sentia por mim e, apaguei, assim, o brilho que produzia no seu olhar, a vontade de me beijar dos seus lábios, o homem pelo qual se apaixonava. Como convencê-la que não sou o mesmo de antes, aquele que não soube ser seu amante, que de forma tão fria fez pouco do que me oferecia, que deitado ao seu lado sentia que a cama continuava vazia, vazia? Não há perdão para o que fiz, nem é isto o que procuro, ela, provavelmente, já faz outro feliz e eu parte do passado. Convencê-la, então, não é o mais importante, convencer-me parece o mais adequado, de que não estou fazendo exatamente o mesmo com quem agora se deita ao meu lado. Foto dela: F. Weiller.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

de noite

De noite é a melhor hora do dia, de noite quando você vem, fica tudo te esperando em mim, este meu corpo que não se contém. De noite apaga a luz e esquece, esquece as contas, a tese, esquece até de fazer uma prece, esquece que brigamos também. De noite me chama como quiser, de noite deixamos de ser quem se é, para ser como desejamos, de noite quando nos amamos. De manhã voltamos a ser quem somos, de manhã o trânsito não nos deixa esquecer, a vida que vamos levando, a vida que temos para viver. De manhã nos separamos, de manhã cada um pega o seu caminho, de manhã não nos encontramos, de manhã nos encontramos sozinhos. De tarde bate aquela saudade, aquela vontade de se ver, contamos os minutos do tempo passando, de tarde começa a escurecer. De tarde combinamos o que faremos, de tarde combinamos como vai ser, se saímos para beber, jantamos, vamos ao cinema ou alugamos um dvd. De noite tudo se resolve, você sobre mim, eu sobre você, de noite tudo se encaixa, acha sua razão de ser. De noite não há tempo para mais nada, de noite não há tempo a perder, de noite encontro o que faltava, de noite me encontro dentro de você. De noite parece que não há mais nada, nada entre eu e você, e é assim até adormecermos, e é assim até o dia amanhecer. Foto dela: Marcelle.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

idas e voltas

Ela reaparece com o frio, chega como quem não quer nada, uma dica de filme, um livro emprestado – e fica todo o feriado. Não vem atrás do passado, apenas de alguém que a conhece bem, o seu corpo de cor e salteado, todos os segredos que ela tem. Guardo tudo de cabeça, de tanto que já fui apaixonado, é o que me prende a ela, o motivo pelo qual ainda vem. Não conversamos mais sobre como seria, já estamos mais do que vacinados, satisfeito o que queria, ficamos o resto do tempo calados. Nos fazemos companhia porque já temos, como dizia, um passado, de idas e voltas, algumas curtas outras compridas, a gente se prende e se solta – é como esperamos que sempre aconteça, por mais que não possamos ter certeza, existe sempre o risco, de que seja mais do que isto; mas até para isto estamos preparados, inclusive para fazer dar errado, posso traí-la como já fiz, ela algo mais que não possa ser perdoado. A despedida é sempre fria e eu fico com a casa maior do que parecia, mas é só por alguns dias, depois tudo volta a sua normalidade, até que ela sinta, novamente, de mim, necessidade. Foto dela: Camila. 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

para que lado olhava que não te via?


Algumas decisões vão sendo tomadas pelo corpo, nem sempre é possível precisar como tudo começou, se alastra pela gente como uma corrente, porque o desejo arrasta tudo o que vê pela frente, cercas, muros, portas apenas encostadas e até aquelas que estão à sete chaves trancadas. Não foi o beijo, foi a ciência de que te beijaria, aquele momento em que se presta mais atenção nos lábios se movendo do que nas palavras que estão dizendo. Mas ainda é algo antes disso, antes do beijo, antes de sentir que te beijaria, quando tudo o que ela diz passa a ser poesia e você se pergunta “para que lado olhava que não te via?” porque caminhávamos pelas mesmas empoeiradas livrarias, pelas mesmas salas de cinema vazias, tudo que nos aproximava ao mesmo tempo nos distraía. Mas agora “acordo” e sinto que ela está presente, não como algo que toco sempre, porque dentro, como se meu corpo existisse apenas para envolver este sentimento, que busco a todo custo proteger dos efeitos do tempo - porque quem já viveu antes sentimentos semelhantes sabe como é difícil mantê-los imensos como neste momento. Foto dela: Laura.