quarta-feira, 1 de agosto de 2007

bom dia

“... é do cotidiano que nascem as melhores histórias. De amor, por exemplo...”

"Vem ver o sol que lindo", diz ela me chamando até a janela. Nada veste além de uma calcinha. E eu lá tenho olhos para o sol. Aproximo-me dela e ganho um beijo. Bom dia. Bom dia. Ela me abraça como se não fosse me soltar nunca mais. Parece mesmo muito feliz. Não entendo o porque: é um dia como qualquer outro no mundo. Então me olha fixo nos olhos como se tentasse me passar uma mensagem por telepatia. Chega mesmo a franzir a testa de tanto que ela se concentra em penetrar meus pensamentos. E quando eu acho que ela vai me dizer algo incrível que merecesse tamanho esforço escuto "mentalmente" ela dizer que vai tomar um banho.


Diante do espelho eu encaro meu rosto como se aprovasse a espécie de sujeito que me tornei. Nem sempre é assim. Preciso fazer a barba não preciso fazer a barba. Esta é a primeira decisão do dia. Mas virão outras. Ela abre a porta do box e reclama uma toalha. Antes de passa-la às suas mãos faço uma pequena brincadeira dessas idiotas: quando ela estica o braço para pegar a toalha eu a afasto do seu alcance. Ela ri da primeira vez mas depois bronqueia. Enquanto ela se enxuga diz alguma coisa que eu não entendo direito mesmo assim não pergunto do que se trata apenas concordo com a cabeça. Estou pensando em outra coisa: penso que na maior parte do tempo nem é amor, apenas cumplicidade, intimidade, quer melhor que isto.


Quando ela passa por detrás de mim eu me viro e a seguro como se lhe aplicasse um golpe que treino há semanas. Um beijo fundo acompanha a imobilização. Então ela fica um tempinho mole depois força para que eu a solte. Dou um tapinha em seu bumbum antes que ela se afaste. Ela faz uma careta depois me dá às costas. Não tiro o olho de seu traseiro até que ela suma para o quarto. Vou demorar a vê-la novamente assim como veio ao mundo, preciso aproveitar cada segundinho. Entro no chuveiro e me esqueço um pouco do tempo. Acho que passam uns dez minutos para que eu me ligue novamente na vida. Ensaio pressa.


Quando deixo o banheiro dou de cara com ela já vestida sentada numa poltrona com uma deliciosa expressão de inocência na face como se nada tivesse a ver com aquela cama desarrumada há poucos passos dela. Enquanto troco de roupa ela retorna ao banheiro para se maquiar. Pergunto se ela quer comer algo. Ela diz que está com pressa. A primeira aula dela é dali meia-hora. Da minha casa até a faculdade são uns vinte minutos. Tempo mais do que suficiente para um café.


Então eu passo a me mover como se fosse um senhor de noventa anos apenas para irritá-la. Insisto para que ela tome o café comigo. Eu mesmo estou sem fome mas não entendo estas mulheres que depois de passarem a noite com você agem pela manhã como se fossem meras visitas. Ela abre a bolsa e consulta uma agenda. "O que você vai fazer hoje à noite?", ela pergunta. "Fazer amor com você", eu respondo. Ela sorri e anota algo. Gostaria de saber o que.


Mais tarde na faculdade nos cruzamos em um corredor. Ela está com umas amigas. Não faço idéia do que conversam mas ficam todas em silêncio quando vêem um professor e eu vindo na direção delas. Ela me cumprimenta com os olhos como se há poucas horas atrás não estávamos os dois na mesma cama. Eu faço o mesmo. Elas passam por nós e o professor Homero insinua alguma coisa. Eu nem digo que sim nem digo que não. Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Bruna S.