sábado, 11 de fevereiro de 2012

sempre que ouvir chet baker

Depois de um tempo você nem se lembra mais quais discos eram seus, quais discos eram dela, de tanto que os ouviram juntos. Eu não sabia o que era Portishead até te conhecer, você nunca tinha ouvido falar em Chet Baker. Nunca pensei que me interessaria por alguém que nunca ouviu falar em Chet Baker, mas aconteceu – como aconteceu de uma noite ser a última em que o ouviríamos juntos, ainda não sabíamos o que aquela noite seria, até sabíamos, mas evitávamos dizer, também foi a última vez em que fizemos você sabe o que. Sei que levou o disco com você. ‘Levou’ é um modo de dizer. ‘Levou’ o que ele passou a significar. Sempre que ouvir Chet Baker me lembrarei de você, deste lugar, disse antes de sair como uma forma de se despedir e ficar, acho que é uma forma de guardar o que não nos pertence mais mas ainda é da gente, fazemos coleção disso, daquilo que não se arrepende de ter vivido. Entendo perfeitamente o que ela quer dizer, às vezes me pego fazendo o prato preferido de alguém que não vem comer. Não sei escolher um vinho sem lembrar de uma sommelier, o gosto dela sempre me vem a boca antes de beber. E aquele violão no canto que nunca aprendi a tocar, lembra alguém que se foi mais deixou sua música no ar. Todos temos algo assim guardado, numa gaveta chamada passado, cuja chave para abri-la pode ser um cheiro, uma cor de cabelo, um prefixo de telefone, um nome com o mesmo som, a voz melancólica de Beth Gibbons. Foto dela: Ana Martins.