quinta-feira, 11 de outubro de 2007

página solta

Nem tocamos no assunto "onde vamos esta noite?". Chovia mas não era esta a nossa desculpa. A gente precisava colocar umas coisas em dia e nem me refiro a cama se não temos feito outra coisa. Era em que capítulo do livro que ela se encontra que eu queria saber. Se ela pegou o espírito da coisa ou se está no caminho errado. Eu queria explicar o mundo desde o comecinho para ela, sem nenhuma pressa, parando nos nomes difíceis para que ela não precise perguntar depois. Ela fica mexendo no meu cabelo como se estivesse tentando me inventar um penteado novo. Sei que é só carinho, os olhos dela perdidos no meu me dizem isto com todas as letras, mas mesmo assim resmungo como quem se incomoda por ser amado. Ela vai até a cozinha, volta depois com um vinho fraco que eu só comprei porque ela gosta, recuso um gole mas não recuso um beijo, ela me dá e nos lábios dela o vinho é mais saboroso do que eu imaginava. A chuva parou, vamos dançando até a varanda, a noite me arrepia como um fantasma, não estou muito vestido, ela menos ainda, ficamos por um tempo, coisa de minutos, observando a cidade ao longe, suas luzes, como se ambos pensassem a mesma coisa mas esperassem o outro dizer primeiro para confirmar com a cabeça. No íntimo, sonhamos com uma explosão que nos afastasse de tudo, achando que só nós é que temos problemas, depois rimos do nosso egoísmo. Ela queria que eu lembrasse o nome de uma música que ouviu no rádio do carro certa de que eu tenho o disco, cantarola um pedaço mas nada muito compreensível, estava na ponta da sua língua e não estava, aquela história nos faz perder por alguns segundos o fio da meada, um novo beijo, reconciliador, nos fez voltar aonde tínhamos parado. A máquina do tempo só se desloca alguns centímetros para trás. Eu queria desenha-la nua como que para sempre, ela faz pose, estica-se na chaise longue como a maja desnuda de goya e eu que sou um simples mortal quedo comovido. Enquanto eu faço círculos com a ponta do dedo em volta do seu umbigo ela me conta sobre sua semana, coisas que eu já tinha ouvido, fingi interesse pelo que dizia, depois perdi a paciência e rolei com ela pelo chão da sala. Acordamos no que nos parece ser o paraíso de tão bagunçado e ainda estamos juntando as pistas para ver se descobrimos qual o nome disto. Foto: Line.

(Achei este velho texto. Ou melhor ela achou "perdido" entre suas coisas - como uma página solta. Escrito para e com ela. Leu, lembrou e me enviou. No mesmo "pacote" veio esta sua foto. Line das noites-brincando.)