domingo, 20 de agosto de 2017

uma noite ou outra


Uma noite ou outra é todo o nosso compromisso. Mas é tão bom quando nossas agendas batem que às vezes até pensamos em mudar isso. Conversamos ou esperamos a poeira baixar? Nossos corpos ainda vibram debaixo do lençol. Qualquer decisão que tomarmos nesta hora estará sob o efeito do que fizemos, pela manhã tudo parecerá mais distante, voltaremos a ser mais amigos do que amantes. 

Depois do café decidimos que é melhor manter tudo como está, nem ela nem eu queremos perder o controle sobre nós mesmos, se é bom quando ela vem aqui não é uma solidão quando não, afinal o que é sentir falta quando se sabe onde procurar? Pode parecer que não temos nada, mas a verdade é que não precisamos de muito, eu tenho uma vida onde ela seria demais, na dela eu ficaria sem assunto. Por isto que nossos planos para o futuro se limitam a voltarmos a dormir juntos. Hoje não dá, amanhã é possível, me liga, te ligo. Nunca farei o pedido, ela não tem nenhuma esperança neste sentido; se quiser filhos é livre para tê-los e existem outros homens para isto, eu já não sinto a menor vontade de legar a ninguém a minha hereditariedade. Visto de fora não parece amor, visto de dentro satisfaz nossas necessidades. Foto dela: M. Palmieri.

sábado, 11 de março de 2017

quarto e sala

Vamos adorar recebê-la. Meus móveis, eletrodomésticos, cama, mesa, banho e eu. Minha campainha espera o seu toque. A porta que por ela passe. O tapete que o pise, sem dó. Se quiser tire o sapato, fique a vontade, a casa é sua. Meu sofá quer que se acomode. Meu abajur iluminá-la. Meus livros que os folheem. Se quiser leio para você, a insustentável leveza do ser, são só trezentas páginas. Meu fogão quer cozinhar para você. Meu refrigerador manter o vinho na temperatura certa. Meus pratos servi-la. Se quiser ensino meu tempero, é salsa chinesa, tem em qualquer mercado. Meu toca-discos quer tirá-la para dançar, as taças brindá-la, as paredes guardar segredos. Se quiser pode ficar, não importa o que os vizinhos vão pensar, ambos somos solteiros. Minha cama quer aconchegá-la, meu lençol se impregnar do seu cheiro, o meu relógio que as horas demorem a passar. Se quiser pode me amar, se quiser vou recebê-la por inteiro, apertando um pouco sobra até lugar. A mesa do café quer lhe dizer bom dia, a água do meu chuveiro percorrer todo o seu corpo, a toalha envolvê-lo todo. Se quiser pode vestir uma de minhas camisas, se quiser pode ficar como está, as cortinas servem para isto mesmo. Meus móveis não querem que você vá. Meus eletrodomésticos deixarão de funcionar sob protesto. Até você voltar ao meu quarto e sala modesto. Foto dela: P. Palmieri.