domingo, 19 de agosto de 2007

Anna Karenina

“... a transcendência dos livros é assim como o amor solto no ar, mas a materialidade dos livros é como o corpo do amor na cama, a noite inteira lendo e relendo...” – de uma outra conversa

Acho que já nos conhecemos. Tive a mesma impressão. Sugeri que talvez fosse dos muitos livros que lemos e ela sorriu como quem se lembra exatamente em qual romance ficava a rua em que nos cruzamos. Foi fácil esquecer de todos os outros assuntos que giravam em torno de nós, refiro-me aos vulgares – típicos de mega-stores. Falávamos dos livros como quem conta peripécias da juventude num país estrangeiro. Conhecíamos a língua, os rios e o cheiro.

Não tenho muito tempo. Privilegio livros e beijos. A vida é inútil se só se ganha mais dinheiro. Até mesmo o desejo mais caro acaba numa liquidação. Dê um tempo que tudo será resto. Corro os sebos da cidade em busca dos clássicos que me faltam e a noite de mulheres que ainda saibam ser seduzidas por eles. Certas conversas não me interessam mais, eu quero trazê-las para a minha festa, lá dançaremos, serão muitas páginas, música e vinho.

Descobrimos, claro, muitos amigos em comum, às vezes até séculos inteiros, confissões que ouvimos, beijos que espiamos, camas que dividimos, noites que nos apaixonamos. Ela não era livre nem eu naquele dia. Pensamos em algo sorrateiro, no saguão ela me deu o nome de Anna Karenina, eu gostei da brincadeira e assinei Vronski. Durante algumas horas era a Rússia czarista lá fora. Fechamos o livros e nos despedimos. Mais tarde sussurrarei esta história no ouvido de outra mulher – de Emma Bovary talvez.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Bruna S.