quinta-feira, 30 de abril de 2009

um quarto

Eu sei a parte que me cabe nessa história, não estou pedindo nenhum minuto a mais, espero no quarto por volta de meia-hora depois que ela vai embora, combinamos que assim seria mais prudente, o que sentimos é algo só entre a gente, não podemos (nem queremos) ser como os outros casais. Compramos no mesmo supermercado, paramos na mesma banca de jornal, vou em toda festa que ela vai, mas sempre nos esbarramos como se nossos encontros fossem os mais casuais, já fomos apresentados dezenas de vezes por quem nem desconfia que nos conhecemos até demais. Nunca perguntei o que ela sente, o que seu corpo me diz já é suficiente, mas o que era só um dia da semana, está ficando cada vez mais freqüente, tem horas que me telefona e não diz uma palavra, isto basta para eu saber que é urgente, pode ser que tudo acabe de repente, que eu passe a comprar em outro supermercado, assine o Estado, evite as mesmas festas, mas isto é algo sobre o qual nunca se conversa, não temos muito tempo, estamos sempre com pressa, então vamos logo ao que interessa. Não é o amor o que aqui se pretende, isto já vivemos com pessoas diferentes, apenas uma aventura, eu diria, inocente, diante de tanta falta de sentido na vida da gente. No carro parado em algum congestionamento, eu penso o quanto é inútil aquele vai e vem ao nosso redor; ela aumenta o volume do rádio para ouvir uma notícia, mas depois esquece o que havia de tão importante. Pode ser que ela arranque sua roupa em questão de segundos ou quem sabe peça por peça bem devagar, nem sempre é como a gente quer, preciso voltar ao trabalho, ela buscar a filha no balé. Foto: Ricardo/ dela: Lara.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

da intimidade que havia e outras histórias

Acho que nunca acaba, apenas descansa ou quem sabe somos nós dando uma outra chance a si mesmos. Depois que quebra pela enésima vez não adianta mais ficar consertando, é como escrever uma história apenas com o que ficou para contar, como estou fazendo agora, você inventa o resto da forma que mais o agrada já que não tem com o que provar e mesmo quem poderia contestar nem interessado mais está. Engraçado que ainda assim a gente escreva com a esperança de que o outro saiba, com as palavras que ninguém mais entende, os códigos que criamos embaixo do chuveiro. Não é o amor mais que desejamos, nem o sexo, nem que batimentos cardíacos sejam alterados por nossa causa, isto conseguimos atravessando a rua, dizendo meia-dúzia de palavras, sentimos falta da intimidade que havia, da cumplicidade, do sacrifício que fazíamos e que é tão difícil de saber quando, a hora certa. Eu tenho saudade das conversas que tínhamos, das coisas que me fazia dizer, expressões infantis que ainda hoje me deixam tímido, você queria saber todos os meus livros, os nomes que aprendeu comigo e como ria de algum mais difícil de dizer. Eu sei que isto é uma mistura de tudo o que já senti na vida e você faz parte disso, hoje deu de ser a protagonista e isto me deixou comovido, acho que eu só queria que você soubesse que o seu cheiro no que eu sinto não passou despercebido. Foto dela: Aretha.

domingo, 5 de abril de 2009

às vezes nos encontramos, outras não

"... we can talk about the streetlights..."
(Josh Rouse)
Elas estão por toda parte, às vezes nos encontramos, outras não, nunca se sabe. Pode ser que ela não tenha lido todos aqueles livros apenas para conversar sobre eles comigo durante toda uma tarde, mas gosto de pensar que sim, descobrimos que temos gostos parecidos, autores preferidos quase que pelos mesmos motivos e a gente se apaixona por isso e as coisas acontecem naturalmente, como se tivessem de ser daquele jeito, exatamente. Não se pode prever quando nos encontraremos, naquela tarde eu só tentava me esconder da chuva que começara de repente, entrei no primeiro café que vi pela frente e lá estava ela lendo Anna Karenina compenetradamente, não pude deixar de lembrar que foi assim que Tomás conheceu Tereza em A Insustentável Leveza do Ser, eu tinha que dizer-lhe aquilo, ela sorriu, sabia da história, andava com aquele Tolstói de cima para baixo propositadamente, a espera de que as coisas acontecessem naturalmente, como se tivessem de ser daquele jeito, exatamente. E descobrimos que estivémos nas mesmas festas, num show do Josh Rouse, a ponto de nos tocar, só ficou faltando um amigo que pudesse nos apresentar - e quem sabe essa noite já tivesse acontecido muito mais vezes do que a gente possa imaginar, mas esta noite ainda está tomando um capuccino em algum lugar, esperando que a chuva comece de repente, esperando que eu entre no primeiro café que veja pela frente e que você olhe na direção da porta toda vez que ela se abre, às vezes nos encontramos, outras não, nunca se sabe. Foto dela: Monalise.