quinta-feira, 21 de junho de 2007

às quatro da manhã

Eu era uma ilha qualquer até você aparecer
Mas eu não sou ninguém
Então fomos feitos um para o outro

A noite estava linda. O nosso conceito do que faz uma noite linda é bem particular. Não se atrevam a pensar como nós, vivam suas vidas e nos deixem em paz. Ela me contava da sua infância, eu não queria ouvir aquilo, mas gostei do timbre da sua voz, disse que ela podia ser uma cantora e ela riu gostoso – seu trabalho é atender telefones e dar desculpas em nome do seu chefe para garotas de nome Shirley numa empresa grande e fria, o salário é razoável, paga o aluguel e o que sobra ela gasta em vestidos e penteados. E você o que faz?, ela quis saber. Eu minto que sou um escritor. Mas a esta hora da noite eu sou só um jornalista mesmo – meu trabalho é dizer que se as coisas não vão bem a culpa é tôda dos adversários políticos do dono do meu jornal e, claro, flertar com as estagiárias numa empresa grande e fria, o salário é razoável, paga o aluguel e o que sobra eu aposto nos cavalos.

Depois ela me contou das viagens que gostaria de fazer, do filme que vira naquela semana e de um ex-namorado ciumento. Toda aquela ladainha começou a me dar sono, o relógio da lanchonete marcava quatro da manhã, eu sabia que se a convidasse para ir até o meu apartamento ela aceitaria, acho que ela mesmo teria sugerido aquilo se não fosse seu medo de parecer uma garota barata. Ora, benzinho, as quatro da manhã todas as garotas são baratas e se não têm coragem de dizer que querem subir para o apartamento de um cara estão na vida errada.

Eu joguei algumas moedas sobre o balcão e o sujeito atrás dele as apanhou rapidinho como se não visse a hora de que fossemos embora. Ela me seguiu como se eu fosse uma espécie de guia pela madrugada. Depois de algumas ruas grudou no meu braço esquerdo, a cabeça esticou sobre o meu ombro e o cheiro dos seus cabelos invadiu-me as narinas como um narcótico dos bons. Corri minha mão pelas suas costas até agarrar sua cintura e puxa-la contra mim. Ela deixou escapar um pequeno suspiro e eu tentei me lembrar de alguma melodia que pudesse assobiar naquele momento. Não teremos filhos, nem seremos felizes, mas isto na vida às quatro da manhã é o que menos importa.
image: Edward Hopper - Nighthawks(1942)