quarta-feira, 20 de junho de 2007

daqui a pouco será outra

Daqui a pouco será outra. Eu serei outro. Novos corpos virão se juntar aos nossos. A cama será pequena. Uma vida será pouca. Nem sempre será amor quando muito a esperança de que aconteça. Acreditamos e iludimos. Deixamos uma história às vezes nem isto: dei-lhe um nome falso, você um telefone que não existe. Depois tudo volta a ser como antes porque homens e mulheres se conhecem a todo instante.

Vem você me dizer que o tempo é curto. Precisa correr para a sua faculdade. Eu lhe dou uma carona – mais como quem não quer sair da cama. Tudo bem, ela diz, mas só mais alguns minutinhos. E lá se vai mais meia-hora. É este seu cheiro que não me deixa pensar direito. Daqui a pouco tudo volta a ser sério. Eu preciso escrever sobre coisas importantes: a violência, o desemprego, a baixa do dólar. Se eu pudesse desistia de tudo e lhe fazia uma elegia obscena com a ponta dos dedos pelo seu corpo – duraria semanas. Você diz isto para todas – pior que ela tem razão.

De volta à realidade tudo conspira contra nós. Eu preciso pagar minhas contas, você estudar direito. Não vamos deixar que a mágica acabe – ela me sussurra no ouvido e eu até acredito que seja verdade. Pode ser que por mais que eu me esforce isto nem dê um capítulo do livro. O nome dela suma das minhas anotações ou algo do tipo. É disso que é feito o meu romance: da tentativa de tudo guardar. Por isso não termino nunca nem acho que foi feito para terminar. Escrever é como me lembro – não quero deixar de me lembrar.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Dana Dinha