terça-feira, 5 de junho de 2007

os velhos tempos

Prefiro histórias curtas, dessas que se pode contar em pé, entre uma bandeja de canapés e outra. Você reune um grupo de amigos em torno de si, é possível que haja algum intruso, não tem problema, desde que todos falem a sua língua e sejam do mesmo planeta, algo, convenhamos, raro hoje em dia, uma vez que estamos acostumados a nos adaptar a tudo e a todos por conta de uma necessidade de afeto quase que criminosa.

Eu não sou de dar muitas pistas. Posso estar falando de alguém que você pensa que conhece mas de repente eu faço uma menção aos cabelos vermelhos dela e então você descobre que não estamos falando da mesma pessoa. Mais tarde os cabelos vermelhos dela podem voltar a ser castanhos não me importo, tudo se mistura, estamos ficando um pouco altos, daqui há pouco tudo vem à tona, segredos de estado, esqueletos no armário, nomes de guerra, culpas no cartório.

Deixo o melhor para o fim. Ou melhor não deixo. Deixo suspenso no ar. Aquilo fica poluindo a sua cabeça como uma pergunta contra a parede. Você quer que tudo se encaixe porque a vida é mais simples assim – uma busca de coerência, de lógica, sem que você consiga ver o absurdo nisto, o absurdo de todos os dias, o quão surreal é ter uma agenda que comprometa todo o seu tempo. Já não pode sumir com os amigos para uma noite de loucuras, já não pode dar seu verdadeiro nome à garota que lhe crava os dentes, já não pode entrar sorrateiro pela porta dos fundos como se fosse proibido viver a vida que a maioria não pode. Jogam toda a frustração deles sobre sua cabeça e nem sacudir a poeira você sacode. Em que tipo de funcionário padrão você se tornou? Vai lá, faz a roda girar e não me enche mais com este papo de saudade dos velhos tempos. Eu acho que você inventou os velhos tempos.