segunda-feira, 4 de junho de 2007

não precisamos mais do que uma cama

“Não precisamos mais do que uma cama” – lembro de que você me disse isto. A vida era outra naquele tempo. Você ainda não tinha vendido tela alguma e eu só queria um lugar para dormir. Nunca gostei muito da cidade lá fora tanto quanto você. Eu fui educado por outra escola. Tudo o que eu sabia da vida era uma bagunça de livros que ocupavam não mais do que cinco caixas de papelão que você fez uma careta quando me viu tirá-las do porta-mala: “A gente precisa romper com o nosso deus uma hora” – foi o seu comentário mais preocupada com o espaço que aquilo tudo ocuparia no seu ateliê do que com o meu deus.

Era poesia tudo o que discutíamos. Ficávamos dias inteiros entretidos com nossos cigarros. Aprendi sobre seus pintores preferidos, suas vidas boêmias, não me fascinavam tanto quanto Proust mas se vinha da sua boca eu aceitava – era por ser você dizendo que aquilo ganhava algum interesse para mim. Você nem desconfiava que era só “amor” da minha parte. Enquanto o restante dos móveis não chegava tínhamos espaço suficiente para todos os tipos de festa e fazíamos todas. Você quis porque quis me ensinar a dançar. Precisei apenas de três noites para pegar o jeito. Não convidávamos ninguém para nossas festas, naquele tempo éramos restritos demais como costumam ser os apaixonados mais violentos.

Foi como um tufão que tudo se foi de repente. Estranho que tenha sido assim. Depois de alguns meses eu já não a reconhecia mais. Eu chegava da universidade cansado e todo dia tinha mais livros para mim. Isto que dá querer fazer o mundo caber na sua tese. Nunca escondi de ninguém esta minha obsessão. Mas você dizia que eu fazia bem para a sua arte e exigia cada gota do meu sangue sem nem perguntar se eu ia precisar dela mais tarde. A verdade é que naquele tempo se você me pedisse eu tinha até morrido. Os românticos são doidos – começo assim o capítulo sobre você do meu romance. Mas não se preocupe, escolherei um nome bem bonito para você.