domingo, 29 de julho de 2007

não sou o melhor dos anjos

Esta é a vida e ela nunca é fácil de viver. Você vai sangrar, você vai até morrer – mas às vezes tudo lhe parecerá perfeito como amigos que nunca desaparecem e músicas fáceis de pegar. Há dias que não escrevo uma poesia, isto só me aconteceu uma vez, mas quando foi não gosto de me lembrar. Acho que meus olhos estão um pouco cansados de só enxergarem o azul, apenas isto, amanhã estarei melhor com certeza, falarei mais do amor como se fosse ela que acabasse de entrar por aquela porta.

Desculpe se lhe dei a impressão de que tinha todas as respostas. Eu precisava lhe impressionar de alguma forma, não sou forte, não provoco paixões arrebatadoras, você me procura porque tem medo – medo de não ser perfeita como eu lhe vejo. Ninguém diz aquilo que a gente quer ouvir, quando vem alguém e diz, a gente se sente especial, depois fica morrendo de medo de que não seja verdade. A verdade é que podemos ser felizes, não todos os dias, nisto eu não acredito, mas o suficiente para continuar apostando. É pena que não fizeram duas dela. Imagino onde estaríamos agora com este frio que está fazendo e esta minha vontade de amor.

Eu sei que pareço ter perdido as esperanças. Não sou o melhor dos anjos. Você me dá a mão e eu a levo para caminhar em círculos. O problema é que eu já conheço o mundo, estive em quase todos os lugares, aprendi várias línguas, gestos e olhares – ele não é tudo o que falam, as guerras são freqüentes e a miséria enorme, existe o mar e o vinho eu sei, mas ainda assim é pouco, mesmo paris é suja, veneza fede e em buenos aires fui assaltado. É você que precisa conhecê-lo, não vai sair do lugar se continuar tentando me entender, temo lhe influenciar errado, eu quero ser o melhor professor que você já teve mesmo que isto signifique dizer que não há nada o que ensinar, apenas muito o que se aprender. Esta é a vida e ela nunca é fácil de viver.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Hanna Heavy

quarta-feira, 25 de julho de 2007

boa sorte e voe

Para Michelle

Ok, também fui ferido, mas sei que não passa disso, não será a primeira nem a última vez, estou me acostumando e esta é a pior parte. Não é porque tivemos algumas noites juntos que falaremos disso mais tarde. Vá ser feliz com o que “realmente” importa para você que hoje eu tirei o dia para analisar minhas outras alternativas. Encontrei coisas suas no meu closet, depois daquela festa, viemos para cá, foi quando bati aquelas fotos suas nua que se você soubesse onde guardo viria de noite rasgar.

Nem sempre sou fácil de entender. Às vezes abro meu coração, conto sobre o meu livro, pecados e viagens – mas sou um egoísta quando uso os dentes. Você vem, participa, mas sabe que não faz parte. Sempre ficará faltando alguma coisa. Chega um dia na vida em que nos sentimos por demais confortáveis em nossos mundinhos – entendiantes mas controláveis – para nos desafiarmos ir além. Eu vi que você era linda e lhe segurei até onde dava. Se sente que suas asas já estão curadas, boa sorte e voe.

Por não prometermos nada um ao outro, só cumprimos o que sentimos; por não haver regras, tudo nos permitimos; por não estabelecermos objetivos, tudo pode acontecer; por não definirmos o que é “amor”, outra coisa não fazemos que nos divertir; por conta do mundo não funcionar como gostaríamos, não nos importamos com o que vão dizer. Não fosse o tempo injusto demais com tudo o que queremos, acho que não teríamos problemas – não gosto de inventar filosofias de vida que justifiquem os erros que cometo mas às vezes me vejo obrigado a fazê-lo.

Num dia você não pode, numa noite você não está e elas se cansam, não dizem (ou não sabem como dizer) que queriam você somente para ela, e só o que você faz é agradecer pelas horas boas que passaram juntos quando no fundo daria tudo para que elas não fossem nunca embora. Quando mais tarde elas vêm devolver os seus livros, vocês têm uma recaída, o que é bem natural, isto porque sabem que era bom quando acontecia, não acham que aquela será a última vez mas entendem que pode estar sendo.
foto: Ricardo Pereira/ modelo: Maria Quel

segunda-feira, 23 de julho de 2007

uma garota como tantas outras

para você fernanda

Eu descobri você e acho que você nem fazia idéia de que existia. Estava perdida no mundo, andando como todos, naquela pressa meio a contra-gosto que faz a roda girar. Logo vi que deveríamos conversar, escolhemos um canto da festa onde a música chegava mais suave e você demorou a entender que eu não estava ali apenas para lhe beijar. Tudo bem que eu aproveitei o que você quis me dar mas nunca que eu me perdoaria se você fosse embora apenas sabendo que gosto têm a minha boca. Há muito que eu lhe procurava, sabia que você existia em algum lugar, uma garota como tantas outras, diriam se a visse.

Amor é muito simples e não se trata somente disso. Eu já fiz tudo o que tinha para fazer de errado e você é marinheira de primeira viagem – conheceu alguns homens mas sente que nenhum homem a conheceu. Seus olhos são lindos e eles pararam nisto, não foram muito além. Então você foi desanimando, colocando a culpa onde não devia, fazendo piada daquilo que lhe fazia mal, para os seus amigos você era a que estava sempre de bem com a vida, todo mundo tinha problemas e você sorria, deixava o que sentia para as suas poesias. Eu sei que você têm um monte delas escondida em algum canto do seu corpo. Pergunta como eu sei de tudo isto. Ora, metade do que eu escrevo nasce assim – como um soco na boca do estômago.

Durante um tempo lhe ensinarei o que falta e você falará de mim como se eu fosse forte, intenso. Ninguém entenderá esta mágica porque meus truques não funcionam com todos. Em todo o caso, os dias serão os mesmos, sol de manhã e lua de noite, não se notará a diferença, ficará apenas entre você e eu como uma sorte que tivemos e guardamos segredo.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Cátia Elétrica


sábado, 21 de julho de 2007

tudo não passa de uma brincadeira

Para Luina

Tudo não passa de uma brincadeira ou o nome que você quiser dar. Eu não me importo que seja uma bagunça. Já disse que estou livre. Não pertenço mais a nenhum lugar. De hoje em diante só quero quem fale a minha língua, cansei de ficar traduzindo o que eu estou sentindo para o mundo como se eu fosse algum tipo de poeta-profeta. Não tenho gogó para sermões da montanha. Prefiro sussurrar baixinho no ouvido de quem desejo: a revolução que eu planejo.

Devo à Luina – foi ela quem me iniciou. Eu estava inocente até os meus quatorze anos. Nada do que eu lia fazia muito sentido – era sobre reis e castelos no ar. Ela me ensinou a beber e me contou a história do jazz – parece que eu a estou ouvindo. Depois chegou uma amiga dela que eu conhecia de sonhos. Jogamos no dado para ver quem ia primeiro. Vivi um pouco e voltei para casa. Foi como um primeiro rascunho.

Todo mundo acha que sabe o que é o melhor para nós: o papa, o supremo, até a avó morta. Mas é no corpo da gente que a vida dói. Você está sentindo como se algo podre empesteasse o ar e a única felicidade possível fosse nesta cama em que nos deitamos? Eu sei que há belos e bons motivos para uma escapada até à rua – os realejos, certos tons de flores, maçãs do amor – mas não demoraria e tentariam nos convencer do contrário: de que não é possível resistir muito tempo se você não se enquadra. Eles que estão velhos e fedendo e que transformaram a beleza do mundo em algo que pode ser parcelado no cartão. Eu sei ser tão violento quanto uma criança que aprende a usar os dentes. Sou puro, Luina, foi você quem disse que eu era obsceno.
Foto: Ricardo Pereira/ modelos: As Elétricas (Cátia e Kamille).

quinta-feira, 19 de julho de 2007

a literatura é o meu disfarce*

para você vera

Eu entendo pouco de carros. Mal consigo dirigir um. Não me atraem nenhum pouco. Prefiro costas. Posso perder horas admirando as costas de uma mulher. Alguém me faz uma pergunta. Sobre carros. Estou distraído. Observo Vera de longe. Está de costas para mim. Entre amigas. Elas riem. Gostaria de saber do que. O sujeito insiste, pede minha opinião. Conheço o cara, de vista. Acho que é advogado. Não gosto de advogados. Namorei uma advogada. Fui apaixonado por uma advogada. Não gosto de advogados. Prefiro costas. Posso perder horas admirando as costas de uma advogada. Estamos um pouco longe da festa. A música ali quase não se ouve. Nem sei dizer porque me juntei aquele pequeno grupo. Homens falando de carros, pensei que discutiam política, quis defender o presidente, mas não era nada disso. Digo então o modelo do meu carro. Alguém faz um elogio. Balanço a cabeça positivamente como se concordasse com o que disse. Não sei se concordo. Não sei do que estão falando. De longe Vera me acenou. Depois comentou algo com as amigas. Deve contar mentiras maravilhosas a meu respeito. Não consigo tirar os olhos dela. Pareço um marido ciumento inspecionando a coitada. Quando o Jô tinha alguma graça havia uma personagem assim. Mas não é o caso, meu olhar a procura a todo instante porque meu desejo é sumir com ela daquele lugar. Podemos correr até minha casa, em cinco minutos estamos lá. Será que ela topa uma rapidinha em algum canto da casa? Estou a fim de cometer alguma loucura. Os caras que conversam ao meu lado sabem que estou com a cabeça longe. Nem escuto mais o que dizem. Pesco fragmentos das frases, tudo muito estúpido, nada sobre costas. Dou uma desculpa qualquer. Meu copo está vazio é a primeira que me vem a cabeça. Péssima, aliás, porque está cheio. Bebo de uma golada só. É uísque. É bom mas é forte, bebido assim, faz efeito instantâneo. Vou até o bar, me afasto. Os caras me observam depois me esquecem. Devem me achar maluco. Está com a Vera, alguém comenta. Então este é que é o escritor, comenta outro. Virei o escritor agora, talvez pelas crônicas bissextas no jornal da cidade. No caminho até o bar passo por Vera e suas amigas. Elas ficam em silêncio como se esperassem alguma palavra minha. Aponto o bar e não paro. Fico meditando sobre o que devo beber. Nada forte de preferência. Puxo uma coca do freezer. É cedo ainda. Onze e quinze. Vai demorar para ficarmos só Vera e eu, quero vê-la no meu presente. Penso em dar uma volta. Olhar as estrelas, estas coisas. Ficar na minha. Passo novamente por Vera e suas amigas. Ela me estende o copo. Derramo o líquido nele. Enquanto encho seu copo ela me observa bem nos olhos, há algo no ar. Uso de linguagem labial. Digo para que ninguém nos ouça, apenas movendo os lábios que quero fazer amor com ela. Acho que ela entendeu. Sorri entre constrangida e excitada. O copo está cheio. Deixo ela com suas amigas, a mensagem está dada. Vou na direção contrária do grupo em que me encontrava antes. Lá fora a noite me recebe. Paro na sacada. Um casal se beija a poucos metros de mim. Ao perceberem minha aproximação, interrompem o que estão fazendo. Fico sem jeito por tê-los atrapalhado, agem como se tivessem sido pegos no flagra, mas isto é um problema deles e de seus respectivos namorados, nada tenho com isso nem quero ter. Então eu desço até a piscina que está toda iluminada. Chuto uma bóia que se encontra numa das bordas da piscina e a acompanho com os olhos. Depois me interesso pela cidade lá embaixo. Suas luzes, seus sons que quase nem chegam até onde estamos. Procuro pela minha casa. Reconheço a torre da igreja que fica na mesma rua. Todos os domingos acordo com os cânticos da missa. Meu lugar não é lá. Sou um pecador. Eles também são, os que cantam, que estão lá na missa orando, comungando, o que quer que seja, apenas disfarçam perante Deus. Eu não disfarço. Eu assumo. "Deus é meu amigo/ Bebemos no mesmo copo". Conheço um poema que termina assim. Do Francisco Alvim. Outro me ocorre naquela hora. Do mesmo livro. Passatempo e outros poemas. "A polícia passa não vê/ o louco na praça/ o doido percebe e diz/ Deus é meu disfarce". Estava pensando nisto quando Vera me abraçou e deixei escapar o último verso "Deus é meu disfarce". "O que foi? Do que você está falando?", perguntou. Nada. E a beijei. Naquela hora não pareceu importante. Mas era disso que eu estava falando: a literatura é o meu disfarce. "Este pessoal não vai embora? Quando é que teremos a casa só para nós?", quis saber. "Calma, amor, são meus amigos, eu os convidei", defendeu-se ela. "E eu sou o que? Eu não sou seu amigo também?", insisti como uma criança que quer doce. Então ela começou a deslizar a mão pelo meu rosto como se fosse uma cega tateando para descobrir os detalhes dele. Com o indicador percorreu meus lábios, quando estava quase completando a volta, eu fiz como se quisesse morder seu dedo. "Você é muito mais, muito mais que isto, só deve me prometer uma coisa...", disse ela. "O que?", fiquei curioso. "Se quiser manter tudo bom como está não me faça ficar louca por você", era bastante ajuizado da parte dela. E foi se afastando, apontando o dedo para mim como se me acusasse de algo. Voltou para a festa. Eu fiquei ali pensativo por alguns segundos. Depois senti frio. Frio ou algo que ela disse. E se acontecer o contrário, hein Vera? Vou gritar daqui mesmo e faço: "e se acontecer o contrário e se eu ficar louco por você?" como não poderia deixar de estar.

*Gosto muito deste texto. Ele nem é recente. Já aconteceu há mais de um ano. Todos nós sabemos que Vera e eu não fomos muito longe em nossa história, muito por culpa minha reconheço, mas nem por isto ela deixou de ser uma mulher especial para mim. Amiga, apesar de tudo. Em todo o caso publico-o mais uma vez com autorização dela, claro, que leitora assídua sabe melhor do que ninguém o quanto ele é a minha “cara”.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

música para os mais íntimos

para maíra bonilha

Gosto quando você me toca. Música para os mais íntimos. Perfeita como uma estrada sem volta e a gente indo. Não sei onde isto vai dar mas pretendo descobrir. Fui feito para a vida e não para me proibir. Você é nova, comete erros e já acha que é o fim. Nada mais presta, nada mais interessa, só quer fugir. Eu sento com você e explico que não é bem assim – primeiro chora, depois sorri; sei muitos outros carinhos, quer experimentar?

Entendi o seu pedido de socorro. Eu mesmo já gritei assim. Pareço calmo agora, no controle, mas isto porque já vi muita bomba explodir. Posso lhe contar sobre minhas cicatrizes de guerra mas prefiro convida-la para sair. Não quero ser só amigo mas nem por isto vou deixar de ser. Eu sou homem e você é linda – embora pareça surpresa quando eu lhe digo. Às vezes pensa que é só cortar os pulsos e ir dormir. Não, o mundo não é perfeito e não é você quem vai consertar. A revolução é muito mais aqui dentro. Uma questão de encontrar qual é o seu lugar. Eu já disse que tenho todos os discos que você precisa ouvir?

Eu sei que uma porta aberta é só entrar mas desta vez quero que seja diferente, cansei de apostar. Eu canto a liberdade mas também preciso de algo onde me agarrar. Finjo-me de forte para você vir correndo me abraçar. Parece que li todos os livros, percorri todo o mundo, tenho muitas histórias, você fica a tarde inteira me ouvindo depois me beija leve e quer mais. Mas, menina, sou eu quem estou “perdido” como há muito não me acontecia. Não importa o quanto já se viveu, sentiu e passou – a gente sempre volta a estaca zero quando o assunto é amor.
Foto: Silvia Montico/ modelo: Maíra Bonilha

quinta-feira, 12 de julho de 2007

musa e pantera

para cátia elétrica, musa e pantera

Eu só sei que não resisto. Ela pode ser só uma miragem que eu caio. Para mim não existe outra vida depois desta, nem céu e nem inferno, tudo que provoca, tudo que promete, precisa ser examinado de perto, experimentado na pele – de outro jeito que merda de literatura pretendo. Eu tenho anotado milhares de cheiros e erros, porradas e beijos, facas e dentes, sabores e farpas, nomes e sugestões de pauta, pimentas e refrescos, nada me escapa, nada me escapa. Posso identificar de qual veneno se trata só pelo tempo em que me mata. Estou rascunhando uma espécie de manual de caça, meu romance violento – violento e apaixonado.

E quanto mais selvagem mais me saliva a boca. Soube que ela escapou e tem fome. Intepreto isto como uma deliciosa ameaça. Pergunto nas esquinas, procuro pelas ruas mais vadias, nos becos escuros, pensões baratas. Espero a minha chance. Não tenho pressa nem outro livro para escrever – deixo que a minha barba cresça até ficar irreconhecível, armadilha é uma questão de experiência: paciência e ciência. Estudei seus hábitos, conheço sua espécie, principalmente do que se alimenta. Eu não tenho importância, sou só uma isca, ela que venha e me faça o serviço. Não posso descrever com riqueza de detalhes a beleza de uma fera senão em pleno ato – quando ela morde, arranha, estraçalha. Domesticada de que me serve?
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Cátia Elétrica

sábado, 7 de julho de 2007

a verdade depois do sonho

Estava dono do seu mundo mas não era importante nele, sequer pensava com a cabeça de um rei, apenas vivia a espera de que abrisse os olhos, amanhecesce o dia, descobrissemos a verdade depois do sonho. Deixamos a noite para trás como uma amiga que nos apresentou. Esta é a bailarina de que lhe falei. Este é o cara dos versos. Não nos prendemos a maiores explicações, tudo foi se ajeitando naturalmente: minhas teorias e a sua rebeldia, meus discos e a sua vitrola, meus livros e as suas melhores lembranças, meu corpo e a sua cama... e fizemos como se fosse brincadeira – hoje eu acordo e digo que te amo no lugar de bom dia e você não toma isto como um contrato, apenas parte da poesia.

Eu disse sério que estou de volta à velhos projetos de amor como poemas que foram guardados para serem terminados numa outra hora quando eu entendesse mais do assunto. Então tudo que deita na cama com sabor de novidade me dá a impressão de que já foi vivido intensamente, até o fim e que não passa de uma segunda chance que ganho. Em cada novo beijo experimento um doce gosto de déja vu, mas é mentira dos meus lábios, apenas quero de volta o que perdi, juntar os pedaços do que deixei partir por descuido ou paixões demais. Peço desculpas por trazer para esta cama todas as musas – reais ou imaginárias – que já cantei, mas não pude pensar de outra forma, foi o seu perfume que me trouxe todas de volta e o modo como é linda e acorda de manhã.

Venha se juntar a elas – eu lhe convido com a mão estendida. Faça parte do meu belo livro. Não posso abrir mão de tudo o que senti, sonhei e provei – seria negar a própria vida e estas velhas cicatrizes de guerra que não me deixam mentir; mas isto não significa que não possa aprender tudo de novo: meu coração, com exceção de dezesseis grandes amores, é praticamente zero quilômetro. Tenho fôlego de sobra para mais uma faculdade.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Lilia

quinta-feira, 5 de julho de 2007

queria que já fosse amanhã

Queria que já fosse amanhã. Quando você vem e tudo faz sentido. O dia de hoje o que me importa? Será inútil. Mesmo que eu não cancele os meus compromissos, que aceite alguns convites, estarei lá de corpo presente como se diz mas a cabeça longe longe. Escrevi um poema tão lindo e ninguém para ler. Vou guardar num lugar proibido até você achar. Sei onde suas mãos gostam de procurar.

Não gosto de acordar de um sonho bom. Prefiro minha cama com você. Nele você tinha todas as respostas, me abria as portas, me alimentava o coração e me cravava os dentes, agora estou aqui desorientado como quem tem pernas mas não sabe para o que servem. O telefone tocou mas não era você. Ninguém sabe do nosso código secreto – quantas vezes deve tocar para que eu possa atender: o número de letras do seu nome.

A vida me encheu de porrada. Sou um escritor frustrado, um jornalista cansado, um professor de regras, mas você não se importa com a minha barba por fazer depois de um dia pesado. Sabe que eu tenho poemas desesperados, típicos de um romântico envenenado e tudo o que você quer é esta intimidade dos corpos e das cabeças que erroneamente chamamos de amor quando deveríamos dizer cumplicidade – quer melhor que isto?
Foto: Ricardo Pereira/modelo: A Fran de volta

terça-feira, 3 de julho de 2007

louca como me prometeu

Será que você topa uma xícara de café ou quem sabe uma vida inteira de eu te amo, discos no seu aniversário e poemas nas suas chinelas quando levantar pela manhã? A gente bem podia morar na mesma rua, encontrar-se toda vez que fossemos comprar pão e engatarmos uma conversa apaixonada sobre o que estamos lendo e a solidão. É tão bom quando você vem e não tem hora para ir embora.

A cidade é violenta demais para idéias românticas como as nossas. Precisamos que façam silêncio, quero ouvir os seus pensamentos, os belos e os revoltados. Amar você porque seus cabelos são verdes e porque sua nudez me ensinou a escrever. Não quero outra vida que não uma que me faça carregar seus livros na volta do colégio. Bebemos e fazemos amigos mas não é a mesma coisa quando não é você no telefone.

Será que você é louca como me prometeu ou derrubar as prateleiras, as estantes, as estátuas, as vidraças, louças, livros é só um canção do caetano? Às vezes eu tenho a impressão de que esta não é você mas só uma fase. Daqui a pouco você aceita deus, o mundo e muda a cor do cabelo. Não seria a primeira que me faz uma coisa destas: chega um dia em que vocês cismam que a vida não pode ser só festa – então se casam, engordam, engasgam e morrem.

domingo, 1 de julho de 2007

meu filho brinca no vento

Para Maíra

“Meu filho brinca no vento. Têm os cabelos doidos e quer ser leve. A mãe não o quer aéreo como o pai. Convido-o para becos e meninas. Ele vem e tem um nome novo para tudo. Quando vai embora estou lambuzado de mel. Sozinho quero brincar com ele. Nada é da cor que ele gosta quando não está aqui. Tudo se transforma ao seu primeiro sorriso. Quero lhe explicar o porque de cada bicho diferente do que está nos livros. Ele se espanta que eu tenha barba. Está ficando velho e tem medo. Acredito que uma guitarra resolva o seu problema. Não sei o que a mãe lhe diz sobre mim. Nada do que derruba tem mais importância do que ele. Gosto quando me bagunça. Se eu pudesse sonhava assim todas as noites...”

Ela me ouvia atenta como se eu não fosse deste mundo. Talvez não seja mesmo e tudo não passe de uma experiência científica. Quer ter um filho comigo eu lhe perguntei. Nossos filhos serão melhores do que nós. De noite lerei Julio Verne. Pela manhã quando eu não estiver morto desenharemos mundos melhores. À tarde lhe ensinarei vários tipos de assobios.

Porque você não existe é que eu te amo, ela me explicou. E fomos embora da cama e dos nossos planos. Nunca quis ter um filho por isto perguntei. De mim herdará apenas a esperança no homem. De você este carinho pelos poetas e loucos.