
Algumas coisas estão fora do seu lugar, outras ainda não têm um lugar, como a tela que ganhei de natal da Cris, um de seus melhores trabalhos, uma bailarina no meio de uma noite verde-clara, não exatamente uma bailarina, apenas o contorno de seu rodopio, agrada-me o detalhe de duas pequenas estrelas no canto direito acima. Todo ano ela me presenteia com algo seu, nas velhas paredes ela é a única artista em exposição, o resto são cartazes de filmes e posters de velhas atrizes, se ela estourar meus herdeiros estarão feitos, sou dono de uma pequena parcela importante da sua obra: daquela feita por amor.
Outra coisa típica de começo de ano é passar as informações da agenda antiga para a agenda nova. Tenho uma mania, escolho aleatoriamente alguns dias do ano e rabisco pequenos compromissos para comigo mesmo, do tipo ir ao cinema, convida-la para jantar, enviar flores, beber com os amigos, reconheço que nem sempre os cumpro a risca mas deixo sempre a possibilidade no ar. A agenda é um hábito novo, nela anoto de tudo, preço de coisas, poemas em estado embrionário, nomes de livros que preciso procurar, telefones de mulheres acompanhados de asteriscos significando a urgência com que devo ligar de volta, restaurantes de que me falaram bem, um vinho do qual li a respeito, datas de aniversário que nao posso esquecer de jeito nenhum, nomes para a minha lista negra, etc. Feito o serviço percebo que o ano é novo... mas a vida é velha. Foto: Maria Eduarda, Um gole de vinho, 2007.