sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

ano dois

De um ano para o outro salta aos olhos como nada realmente muda, encontramos tudo como deixamos, o vinho aberto sobre a pia da cozinha, duas taças fazendo-lhe companhia. O que fazer se não despejar o restante pelo ralo? Adeus seu gosto amargo. Abro a torneira, um jato forte e nem sombra mais do líquido vermelho. Arregaço as mangas, passo uma água nas taças, numa delas marca de batom, lembro do brinde que fizemos, o que desejamos para 2008, onde acabamos naquela noite, esboço um sorriso.

Algumas coisas estão fora do seu lugar, outras ainda não têm um lugar, como a tela que ganhei de natal da Cris, um de seus melhores trabalhos, uma bailarina no meio de uma noite verde-clara, não exatamente uma bailarina, apenas o contorno de seu rodopio, agrada-me o detalhe de duas pequenas estrelas no canto direito acima. Todo ano ela me presenteia com algo seu, nas velhas paredes ela é a única artista em exposição, o resto são cartazes de filmes e posters de velhas atrizes, se ela estourar meus herdeiros estarão feitos, sou dono de uma pequena parcela importante da sua obra: daquela feita por amor.

Outra coisa típica de começo de ano é passar as informações da agenda antiga para a agenda nova. Tenho uma mania, escolho aleatoriamente alguns dias do ano e rabisco pequenos compromissos para comigo mesmo, do tipo ir ao cinema, convida-la para jantar, enviar flores, beber com os amigos, reconheço que nem sempre os cumpro a risca mas deixo sempre a possibilidade no ar. A agenda é um hábito novo, nela anoto de tudo, preço de coisas, poemas em estado embrionário, nomes de livros que preciso procurar, telefones de mulheres acompanhados de asteriscos significando a urgência com que devo ligar de volta, restaurantes de que me falaram bem, um vinho do qual li a respeito, datas de aniversário que nao posso esquecer de jeito nenhum, nomes para a minha lista negra, etc. Feito o serviço percebo que o ano é novo... mas a vida é velha.
Foto: Maria Eduarda, Um gole de vinho, 2007.