
Sei que é ela. No telefone, sua voz era desespero e paixão. Eu disse que aqui era uma grande bagunça mas ela quis vir arrumar mesmo assim. Estou há horas precisando de um trago, não há uma ´saída’ em toda a casa, foi tudo embora com a última festa. Ela era apenas mais uma mulher honesta que eu despia com os olhos antes de saber como é que era. Penso no quanto se está sozinho e se quer apenas conversar, saber que o outro está ali e pode nos escutar. Beijo, sexo, amor estão incluídos na ‘promessa’ mas não esgotam toda a história, existem pequenas dimensões que se abrem quando começamos a nos importar realmente: estou pensando naquela música quando toca, em pessoas se lembrando de coisas, rindo por terem vivido situações semelhantes, andado pelas mesmas ruas e como é excitante descobrir que se guarda segredos iguais.
Três batidas leves na porta. Podia usar a campainha mas isto despertaria uma atenção desnecessária. Ela não devia estar aqui mas veio – eu não deveria abrir mas deixei a porta somente encostada. Três batidas leves funcionam quase que como um código secreto – sei quem você é e sei o que você quer, você sabe quem eu sou e que quero o mesmo. Outra noite para suportarmos bem, encontrar o que precisamos e esquecer como as conseguimos. Venha, faça parte, tudo tem o seu encanto, o seu fim. Existe num segundo e no seguinte não existe mais. E que diferença faz? Não é pelo que conquistamos que lutamos mas pelo que almejamos conseguir. Foto: Nelson Luís Abrahão, Detetive, 2007.