sexta-feira, 24 de outubro de 2008

para ler com todo o corpo

“... meu livro de cabeceira para ler com todo o corpo é aquele de que fala a elegia de Donne...”
(Em resposta a uma carta de fã, Belchior)


Tenho lido muita coisa, mas seu corpo ainda é o meu livro preferido. E é sobre ele que me debruço esta noite, que história me conta, que personagem desconheço, com qual trama me prenderá, pergunta se gosto de surpresas, sorri maliciosa quando respondo que sim, parece que tem tudo sob controle, não perco por esperar, penso ‘de novo uma mulher como você acontecendo na minha vida’, penso ‘duas vezes na mesma vida’, nem precisei morrer e retornar. Ou Deus está do meu lado ou o diabo é que está. Ou o diabo é que está.


Você não se parece em nada com o que só eu ‘vejo’. Entre suas amigas conversando sobre nada. Só eu sei quais palavras você é capaz de pronunciar, as loucuras em que pode pensar, o código com o qual gostamos de nos provocar. Quem poderia imaginar que uma pergunta inocente sobre o tempo junto à máquina de café quer saber que cor de calcinha está usando ou se está. Os cabelos soltos significando ‘siga meu carro à uns dez metros de distância para ninguém desconfiar’, o cabelo preso ‘naquela sala de reuniões do segundo andar que ninguém nunca usa em cinco minutos e que se dane se alguém desconfiar’.


Você me pede que eu escreva novos capítulos em você, aqui e aqui, diz apontando em si mesma por onde devo começar. Rabisco alguma coisa, você se arrepia toda, ‘escrever é uma forma de existir’, diz ela me ensinando literatura, toda a literatura que eu preciso saber, aquela que não me fará imortal, um clássico da literatura mundial, mas aquela pela qual vale a pena viver, é a esta Academia que eu quero concorrer.
Foto: Ricardo/ ela: Stella.