Algo me dizia que mais cedo ou mais tarde a gente se encontraria. Voltara há poucos dias, duas semanas para ser mais exato, podia ter telefonado, gostaria que tivesse feito, sabia que não faria. Entre nós estava tudo terminado, até onde eu sabia, pelo menos até descobrir que ela voltara há poucos dias, que mais cedo ou mais tarde a gente se encontraria. A cidade é um ovo, não existem muitas alternativas, confesso que andei evitando certos lugares, mas aquele filme eu não perderia, aquela seria sua última sessão. Se eu soubesse que a encontraria na fila, teria vestido outra camisa, teria feito a barba aquele dia, teria ensaiado o que diria. Fiz que não a vi, queria saber como reagiria, engordara um pouco, mas eu a perdoaria. Quanto tempo ela disse, faz mesmo, se quiser posso dizer o número exato de dias, estranho que nem percebia que estava contando. Nos sentamos em fileiras diferentes, eu atrás ela na frente, um olho na tela outro no que ela fazia, pensava se de novo a beijaria. O filme ganhara a palma de ouro talvez o urso de berlim, mas não me peçam para falar dele, só queria que chegasse ao fim, queria saber se bebia algo comigo, tive medo que não dissesse que sim. Conversamos sobre onde esteve, disse que voltara há poucos dias, pediu desculpas por não ter ligado para mim, não sabia se devia, algo lhe dizia que mais cedo ou mais tarde a gente se encontraria. Foto: Liane.
domingo, 5 de dezembro de 2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
eu não me arrependo de você
“... não, nada irá nesse mundo/ apagar o desenho que temos aqui/ nem o maior dos seus erros/ meus erros, remorsos, o farão sumir...”
(caetano veloso, não me arrependo)
Nada do que você me disser vai mudar o que tivemos: as noites em que me fez feliz, as manhãs em que não quis me acordar, o seu beijo antes de partir, o seu beijo depois de chegar, o peso do seu corpo contra o meu, aquela vez sobre a mesa do jantar, só de lembrar minha pele arrepia e esse arrepio é mais forte do que eu, não tem como dizer que não aconteceu. Eu vou saber guardar, tenho uma gaveta para coisas assim, cheia de versos que esqueceram que escreveram para mim. Não vejo razão em discutir, aceito se diz que é o fim, só que parece que é você quem está tentando se convencer, mas se te faz bem pode falar, daqui a pouco saio para dançar, nem faz idéia do efeito que a música tem sobre mim. O que for seu pode levar, o que me deu não tem como voltar, faz parte da nossa história, fica vivo em algum lugar, pode ser que um dia bata de novo na minha porta e que eu até te deixe entrar, numa noite que de tão sozinho não importa com quem se está. Não me arrependo daquilo que faço, se fiz o que queria fazer, gostei de milhões de pessoas, também gostei de você, não será a primeira nem a última que eu saberei esquecer. Foto dela: Raluca.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
esta noite e quantas mais tivermos
Por mim tudo bem, não diremos nada a ninguém, guardaremos só para nós, esta noite e quantas mais tivermos. Importa o que sentimos, não as explicações que dermos, a cumplicidade é um estágio difícil de atingir, a maioria nem chega perto. Contei quantas ‘pintinhas’ seu corpo têm, não tinha nada para fazer além de te achar linda, você dormia como se fosse minha refém, mas era assim que eu me sentia. Quis saber o que eu pensava de uma tatuagem, sonha fazer mas lhe falta coragem, desenhei como ela seria na sua pele com a ponta dos dedos, comecei em volta do umbigo, onde a terminei é segredo. Fiz um poema enquanto você se vestia, deixei embaixo do seu travesseiro, com aquelas palavras que segundo me dizia, arrepiam seu corpo por inteiro. Posso te ligar no meio do dia, apenas para ouvir a sua voz, quem sabe até te deixe vermelha, lembrando de quando estamos a sós. Sempre nos despedimos sem saber se vamos nos ver novamente, aquela bem pode ser a última vez entre a gente, por isso você parece me morder como se quisesse me prender entre os seus dentes. Foto dela: Ana Martins, ‘japonesa de pequim’.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
microcosmo
Fingi que dormia, ela se movia pelo quarto sorrateira, devagar, não queria me acordar, pensava no que me diria além de ‘bom dia’, mal sabia como tinha vindo acabar naquele lugar. Lembrava-se de uma festa, da banda que tocava, de que ria e não conseguia parar, que ‘barba por fazer’ a enlouquecia, depois que me mordia, que meu corpo a prendia, que não queria se soltar – e de como tudo isso lhe parecia agora tão distante: sabia quem era a mulher que se vestia, mas não se reconhecia na mulher de antes, ainda que esta lhe parecesse bem mais interessante. Eu não tinha como ajudá-la, não a conhecia, embora ela não me fosse de toda estranha, talvez até já a tivesse trazido uma noite para cá, a música estava alta, não ouvia direito o que me dizia pouco antes de começar a me beijar. Ela me observava em pé ao lado da cama, pensava como de costas parecia-lhe com todos os homens com que já esteve, ainda mais quando não se lembrava de seus rostos, embora sua boca ainda guardasse o meu gosto. Tirou um pedaço de papel da bolsa, mas nada escreveu, conferiu se havia esquecido algo, mas nada esqueceu. Fechou a porta atrás de si e saiu, ainda vi quando seu táxi dobrou a esquina e sumiu, pensava que se a visse novamente não sei se a reconheceria e que, talvez, aquela noite se repetisse infinitamente entre a gente como algo me dizia já se repetiu. Foto dela: Ana Martins ‘na ponta dos pés’.
terça-feira, 20 de julho de 2010
difícil ficar sem
A verdade é que a gente já se acostumou com o corpo um do outro. Isto de saber onde tocar, onde mergulhar, o que não precisa mais consentimento. Intimidade assim leva tempo, não se consegue da noite para o dia, tanto que quando ela me diz que está a caminho, minha pele já se arrepia. Combinamos que não seria sério, seria algo que não nos preocuparia, podemos ser só dois bons amigos, podemos ser bem mais do que isso, não sabemos quando nem como vai acontecer, mas depois que acontece, nos entreolhamos sem nada dizer – nos perguntando se é certo, se agimos errado, sabemos apenas que é bom, dificíl ficar sem. Estamos sempre retomando de onde paramos, enquanto outros passam por nós, com suas idéias de amor diferentes da nossa, que às vezes quase nos convencem. Ela diz que não pode ficar mas fica, não conseguimos nos desvencilhar simplesmente, o que acontece entre nós nunca se explica, sempre mudamos de assunto quando o assunto é a gente. Quando vê já passou da sua hora, veste-se depressa, precisa ir embora, não sabe quando volta, sabe que vai voltar, sente que o fará eternamente. A verdade é que a gente já se acostumou com o corpo um do outro. Difícil ficar sem. Foto dela: Ana Martins.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
o passado
Você já me perdeu e me encontrou mais de uma vez. A gente já se reconheceu e fez que nunca se viu. Eu já bati na sua porta e você fingiu que não tinha ninguém. Você ainda guarda os meus poemas porque lê-los, às vezes, lhe faz bem. Eu deito na minha cama esperando quem não vem. Você se despe no seu quarto imaginando para quem. Quando toca a nossa música, muda de estação e eu também. Esqueci seu livro preferido, mas depois eu me lembrei. E li ele inteiro novamente para descobrir por quê. Estaciona em frente do meu prédio como se viesse me ver. Pergunta o que deu errado como se já não tivesse tentado responder. Comprei um de seus quadros, mas dei um nome nada a ver. Pendurei na minha sala, mas isso nunca vai saber. Você é muito mais artista do que eu jamais vou ser. Reduzo-me à minha insignificância escrevendo versos para você. Peço que publiquem só depois que eu morrer. Até lá é como se não tivéssemos mais nada para dizer. Acha que estou apaixonado por toda mulher com quem me vê. Mais até do que estive, algum dia, por você. Mas o que era para ser seu já lhe foi dado, igual nenhuma vai ter. Quem fez parte do nosso passado, nunca vai deixar de fazer. Imagem: Mariana Anghileri e Gael Garcia Bernal em cena do filme “O Passado”(2007, Hector Babenco).
terça-feira, 27 de abril de 2010
fazia tempo que eu não vinha aqui
Fazia tempo que eu não vinha aqui. Acho que pelo motivo errado, quando você cisma com algo não quer ouvir o outro lado, então a deixei falando sozinha e, pela mesma porta que entrei, saí. Não repare a bagunça, você diz. Uma taça esquecida sobre o aparelho de som: pergunto-me quanto teria bebido, que disco havia escutado até o fim, o que passava pela sua cabeça, que filme projetava no teto, será que apagou as luzes e se deixou ali? A cidade ainda é a mesma da sua janela, é o que observo, disse-lhe o nome de todas as ruas que podia se ver daqui, que caminho teria de fazer até a universidade, a estação de metrô mais perto – e até uma fita cassete com as músicas que deveria ouvir durante o trajeto, eu fiz. Você mudou o pano do sofá, a estante de lugar, tem um óleo sobre tela onde havia um cartaz de Fale com Ela, mas o cheiro ainda é o mesmo, dos seus incensos, das suas velas, que eu quase me convenço que foram acesos à minha espera. Eu sabia que me convidaria para subir, você que eu aceitaria, o que mais podemos fazer aqui se não colocarmos ‘o que sentimos’ em dia. Foto: Ricardo/ dela: Duda.
quinta-feira, 25 de março de 2010
onde?
Andei nos procurando pelas ruas onde passamos, voltando de uma festa, indo para a nossa. Ríamos alto, não nos importava, tudo o que havia ao nosso redor se ali estava era por nós, para nós, era assim que eu me sentia, era assim que você me fazia sentir. Perguntei se nos viram nos bares onde íamos, descrevi a roupa que vestíamos na última noite em que saímos, se eu soubesse não tinha pedido para ir embora, levantaria e começaria a dançar. Você fez uma lista dos livros que eu deveria ter lido aos vinte anos, encontrei no bolso de um casaco, vibrei quando vi que era a sua letra, pensei que era um poema que havia me esquecido e, pensando bem, talvez seja: vou começar pelo caio fernando, quero recuperar o tempo perdido, leio alto como se estivesse me ouvindo, queria lhe contar tudo o que estou sentindo a cada página que termino, quem sabe escrevo uma carta e até ponho no correio, faço uma camiseta, reuno uns amigos e te convido, coloco cordas novas no violão e componho uma canção. De amor como seus bilhetes na geladeira. Eu ainda tenho esperanças no elevador, quando aperto o sete e ajeito o cabelo, antes quando abríamos a porta tudo parecia a nossa espera, mas encontro a casa exatamente como a deixei, tão diferente da bagunça que a gente era. Foto dela: Tay Gomes.
domingo, 7 de março de 2010
depois que a luz acende
Depois que a luz acende, não há sonho nem corpo mais, apenas a lembrança de algumas noites atrás no relógio dizendo quanto tempo faz que ela se foi, na cama maior do que eu me lembrava, mesmo assim me encolho todo como se sua ausência ocupasse espaço demais, me roubasse o lençol, me apertasse contra a parede, me sufocasse com o travesseiro. A realidade é como estar doente, sua cabeça pesa, sua voz quase que nem sai, você simplesmente segue com a sua vida, ganha o seu dinheiro, pergunta quanto foi o corinthians, diz bom dia ao porteiro, ninguém precisa saber que um ventinho mais forte te fragmentaria por inteiro. E nem queria minha vida toda de volta para me arrepender dos demais erros, estou feliz com a minha verdade, com o que restou dos meus cabelos, só gostaria que essa história tivesse um dia a menos – e nem precisava ser assim eternamente, apenas um dia que eu pudesse escrever novamente e eu o escreveria diferente, mas não tem papel, não tem tinta, não tem poesia que me permita fazê-lo. Foto dela: Carla.
terça-feira, 2 de março de 2010
como alice no país das maravilhas
Conheci outra mulher depois que a luz se apagou, uma mulher que não estava lá antes, não com aqueles dentes. A noite durou exatamente o quanto ela me queria, enquanto isso o sol não vinha nem nascia o dia. Ela me contou seus segredos e me fez um de seus segredos, se me contassem sobre nós nem eu acreditaria, ficaria imaginando como e quando a teria conhecido, mesmo que fosse um minuto depois do ocorrido, com o gosto da sua boca ainda na minha, porque uma mulher como aquela ninguém diria que existia no corpo da guria que ao meu lado agora dormia, como se fosse Deus descansando de ser Deus no sétimo dia, com a sensação de dever cumprido percorrendo cada centímetro de sua pele macia. Se ela acordar perguntando onde está como Alice no país das maravilhas juro que não me surpreenderia, também não anotei a placa do caminhão, tive que me beliscar para saber se era de verdade, tive de procurar minha identidade entre nossas roupas espalhadas pelo chão. Quando amanhece ela se veste como se nem desconfiasse que outra mulher do seu corpo se apodera quando a luz se apaga, quando a bela vira fera. Foto dela: Quel.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
ano novo, canções antigas
A gente se deu um tempo. Escolheu lugares estranhos, ruas por onde nunca caminhamos, as salas de cinema com os piores filmes passando, de outro jeito acabaríamos nos encontrando. E rimos mesmo assim das tolices que escutamos, com muitas dúvidas a respeito de nós próprios e do gênero humano, às vezes de uma mediocridade que assusta. Acho que o amor nos protegia, no nosso mundo não havia as tragédias que tenho lido nos jornais todos os dias, ir para a cama era como fugir para uma ilha, colocávamos uma música e ela nos envolvia como se fossemos personagens de um filme que só a gente alugava, a única cópia que existia. Foi como abandonar o cigarro que me fazia companhia, passar a me preocupar com a quantidade de calorias que comia, estudar administração em vez de escrever poesia, no lugar de fazer amor matricular-se numa academia. Deu para conhecer uma garota, mas eu ficava pensando onde você estava depois que ela dormia, quando a gente conversava me vinha a cabeça o que me responderia, não estava sendo justo com a guria, pedi desculpas, mas ela não entendeu patavina nem podia: ela entrou por uma porta por onde você ainda não saíra. Soube que você viajou para lugares que sempre me dizia, estava vendo seu album de fotografias: em cada foto que você aparecia eu imaginava de que lado estaria, a pose que faria. Foto: Ricardo/ dela: Quel.
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