segunda-feira, 23 de agosto de 2010

microcosmo

Fingi que dormia, ela se movia pelo quarto sorrateira, devagar, não queria me acordar, pensava no que me diria além de ‘bom dia’, mal sabia como tinha vindo acabar naquele lugar. Lembrava-se de uma festa, da banda que tocava, de que ria e não conseguia parar, que ‘barba por fazer’ a enlouquecia, depois que me mordia, que meu corpo a prendia, que não queria se soltar – e de como tudo isso lhe parecia agora tão distante: sabia quem era a mulher que se vestia, mas não se reconhecia na mulher de antes, ainda que esta lhe parecesse bem mais interessante. Eu não tinha como ajudá-la, não a conhecia, embora ela não me fosse de toda estranha, talvez até já a tivesse trazido uma noite para cá, a música estava alta, não ouvia direito o que me dizia pouco antes de começar a me beijar. Ela me observava em pé ao lado da cama, pensava como de costas parecia-lhe com todos os homens com que já esteve, ainda mais quando não se lembrava de seus rostos, embora sua boca ainda guardasse o meu gosto. Tirou um pedaço de papel da bolsa, mas nada escreveu, conferiu se havia esquecido algo, mas nada esqueceu. Fechou a porta atrás de si e saiu, ainda vi quando seu táxi dobrou a esquina e sumiu, pensava que se a visse novamente não sei se a reconheceria e que, talvez, aquela noite se repetisse infinitamente entre a gente como algo me dizia já se repetiu. Foto dela: Ana Martins ‘na ponta dos pés’.