Deixei-a dormindo, toalhas limpas, café e um bilhete dizendo a hora que voltaria. Tempo suficiente para decidir se me esperava ou partia. Até onde eu sei foi bom, gostaria de repetir, pensei isso enquanto dirigia. Dizia seu nome e com quais palavras eu o rimaria. O rádio do carro ligado com as primeiras notícias do dia – mas quem disse que eu o ouvia? Lembrava a noite passada, do que me falava, como sussurrava e ardia. E até o jeito que se mexia, o rangido mesmo que a cama fazia. Podia jurar que a cidade toda tremia – pelo menos, dentro de mim, ainda tremia. Imaginava ela acordando, espreguiçando, cada gesto que faria – que aos poucos tudo ia voltando, inclusive o que seu corpo ainda sentia; que reconheceria onde estava, de quem era aquele quarto e sorriria; que não se vestiria apressada, não era uma manhã fria, que caminharia assim como estava pela casa vazia; que se interessaria pelos meus livros, disse ser daquelas que lia, que um título ou outro lhe atrairia, que os tiraria do lugar e folhearia; que se lembraria do disco que ouvimos ontem, que colocaria de novo para tocar, Nina Simone at Newport e que começaria a dançar. Imagino que dançaria. Foto dela: Ana Martins.