Depois de um tempo você nem se lembra mais quais discos eram seus, quais discos eram dela, de tanto que os ouviram juntos. Eu não sabia o que era Portishead até te conhecer, você nunca tinha ouvido falar em Chet Baker. Nunca pensei que me interessaria por alguém que nunca ouviu falar em Chet Baker, mas aconteceu – como aconteceu de uma noite ser a última em que o ouviríamos juntos, ainda não sabíamos o que aquela noite seria, até sabíamos, mas evitávamos dizer, também foi a última vez em que fizemos você sabe o que. Sei que levou o disco com você. ‘Levou’ é um modo de dizer. ‘Levou’ o que ele passou a significar. Sempre que ouvir Chet Baker me lembrarei de você, deste lugar, disse antes de sair como uma forma de se despedir e ficar, acho que é uma forma de guardar o que não nos pertence mais mas ainda é da gente, fazemos coleção disso, daquilo que não se arrepende de ter vivido. Entendo perfeitamente o que ela quer dizer, às vezes me pego fazendo o prato preferido de alguém que não vem comer. Não sei escolher um vinho sem lembrar de uma sommelier, o gosto dela sempre me vem a boca antes de beber. E aquele violão no canto que nunca aprendi a tocar, lembra alguém que se foi mais deixou sua música no ar. Todos temos algo assim guardado, numa gaveta chamada passado, cuja chave para abri-la pode ser um cheiro, uma cor de cabelo, um prefixo de telefone, um nome com o mesmo som, a voz melancólica de Beth Gibbons. Foto dela: Ana Martins.