Estamos juntos desde ontem, isto é, há apenas uma noite, não dá para dizer muito ainda, acordei de manhã e ela é linda – não sei se levanto e faço o café ou tiro uma fotografia, para me lembrar como era antes de saber como seria. A gente sempre estava com pressa toda vez que se encontrava, não trocava muitas palavras, ‘um dia quero saber mais sobre ela’ – era o que eu pensava enquanto se afastava sem que eu soubesse de onde vinha, para onde ia. Ela que vestia minhas cores preferidas, que tinha um perfume que não me deixava e o jeito que sorria toda vez que me via – ah, era tanta coisa nela que eu já queria. Só precisávamos mesmo era de uma noite, de uma noite para começar, sem se preocupar com o que viríamos a ser, com o que nos tornaríamos. Era mais para se beijar, para se conhecer, saber como nossos corpos se dariam, tudo o que a gente sentia, achava que sentia, sentia de fato. Sei que acabou, que não agiremos mais como antes, que algo pode ter começado, quem sabe se importante, não dá para dizer muito ainda, acordei de manhã e ela é linda. Foto dela: Sarah Herman.
domingo, 23 de dezembro de 2012
domingo, 18 de novembro de 2012
de volta ao que já sabemos
É simples porque já nos conhecemos, deu vontade de fazer e fizemos, os adultos agem assim – ou ao menos deveriam agir. Eu não me lembro de tudo o que vivemos, guardo somente o quanto me fez feliz, acho que você faz o mesmo, o modo como se rende é que me diz. Estamos de volta, portanto, ao que já sabemos – ao que já sabemos teve um fim, mas por algumas horas, nos esquecemos; podia ser sempre assim. Novidades todos temos, seu corpo já não é mais o mesmo: teve filhos – filhos que eu nunca quis. Também mudei, não só aparentemente, hoje penso diferente, penso n’o filho que não fiz – que como no poema de Drummond, hoje seria homem. Ele corre na brisa. Sem carne, sem nome*. Mas sinto que é tarde, para os muitos planos que a gente se fez, você me pergunta as horas, tem que ir embora antes das seis. Vai me ligar, vou atender, faremos isso uma outra vez, quem sabe volte a fazer sentido, quem sabe acabe daqui um mês. Foto dela: Nicole.
*versos do poema ‘Ser’ de Carlos Drummond de Andrade.
sábado, 13 de outubro de 2012
ainda me perguntam de você
Ainda me perguntam de você. É como se quando me vissem sentissem que algo está faltando, como se a qualquer hora fosse entrar, só estivesse estacionando. Respondo rápido que não estamos mais juntos, tenho o receio de que você se torne o assunto e eu tenha que discorrer, ainda que resumidamente: por que não duramos para sempre? Sinto que todos, mesmo que por alguns segundos, perdem a crença no amor: se a gente se separou, o casal mais perfeito do mundo, que dirá eles que não tem a mesma poesia, nada possuem de mais profundo? E não adianta eu estar acompanhado, parece que algo não está direito, ou ela é jovem demais ou encontram algum outro defeito. Sei que você não passa pelo mesmo interrogatório, quando te encontram nada vêem de errado, você seguiu em frente, nada a prende ao passado: eu não escrevi meu livro, você vendeu os seus quadros. Desconverso, não entro em detalhes, mas sei que perguntarem de você continua me abalando, tanto que sinto como se a qualquer hora fosse entrar, só estivesse estacionando. Foto dela: Julia Manicase.
sábado, 15 de setembro de 2012
na noite em que ela fez 29 anos
Parece que diante de você fico transparente, sinto-me nua na sua frente.
Fiquei depois da festa, quando todos já tinham ido embora, ajudei com os copos, as cadeiras, esvaziei os cinzeiros, empurrei o sofá. Vieram amigos seus do trabalho, da faculdade os que restaram, acho que só eu não me encaixava em nenhum lugar. Beberam vinho, ouviram música, todos riam, não paravam de falar – de como a conheciam, de viagens que fizeram, de pessoas que sumiram, de onde deveriam estar. Trouxeram presentes, não precisava, ela dizia, antes de desembrulhar: loções, bijuteria, maquiagem, o que toda mulher gosta de ganhar; escrevi uma poesia, no verso de uma fotografia, como sempre sorria, não havia como não se inspirar. Mostrei quando estava só a gente, não queria, mas a fiz chorar, quis dizer tudo profundamente, tenho essa mania de me aprofundar. Parece que diante de você fico transparente, sinto-me nua na sua frente, Anna Karina e Jean-Luc Godard. Nos olhamos como se fosse para sempre, sabendo que tinha hora para acabar, ajudei com os copos, as cadeiras, esvaziei os cinzeiros, empurrei o sofá. E se não ficamos juntos o quanto pretendíamos, ficamos juntos o quanto sabíamos que podíamos ficar. Na noite em que ela fez vinte e nove anos eu estava lá. Foto dela: Desirée.
domingo, 26 de agosto de 2012
ainda que não mais nos vejamos
OK, mudo de “grande amor” como quem troca de camisa. É que eu quero mais do que o corpo pode, a alma precisa. A vida é muito curta, as possibilidades infinitas, não me interessa ser feliz e só de alguém, interessa-me a felicidade num vai e vem – num vai e vem como a brisa. Por isso essas minhas histórias mínimas, onde “ela” e “você” não se identificam bem, ainda que uma poesia aqui outra ali arrepie a pele de alguém – às vezes até imagino de quem, outras nem. Cada uma me deu algo para contar, não se desperdiça o que faz tão bem, minha poesia é cheia de parcerias, gostaria que soubessem o que minha literatura contém. Ontem a noite, ainda que não mais nos vejamos, ontem a noite me aquecerá por anos, ainda que não mais nos vejamos. Hoje de manhã, hoje depois que nos separamos, voltei para casa respirando os cheiros que exalamos, lembrança de que nos amamos, ainda que não mais nos vejamos. É dessa mistura que estou falando, de tudo o que compartilhamos, por isso essas minhas histórias mínimas, onde todas se vêem, lembrança de que nos amamos – há séculos, anos, ontem. Foto dela: Valeria Heine.
domingo, 27 de maio de 2012
fique o tempo que quiser
Deixei-a dormindo, toalhas limpas, café e um bilhete dizendo a hora que voltaria. Tempo suficiente para decidir se me esperava ou partia. Até onde eu sei foi bom, gostaria de repetir, pensei isso enquanto dirigia. Dizia seu nome e com quais palavras eu o rimaria. O rádio do carro ligado com as primeiras notícias do dia – mas quem disse que eu o ouvia? Lembrava a noite passada, do que me falava, como sussurrava e ardia. E até o jeito que se mexia, o rangido mesmo que a cama fazia. Podia jurar que a cidade toda tremia – pelo menos, dentro de mim, ainda tremia. Imaginava ela acordando, espreguiçando, cada gesto que faria – que aos poucos tudo ia voltando, inclusive o que seu corpo ainda sentia; que reconheceria onde estava, de quem era aquele quarto e sorriria; que não se vestiria apressada, não era uma manhã fria, que caminharia assim como estava pela casa vazia; que se interessaria pelos meus livros, disse ser daquelas que lia, que um título ou outro lhe atrairia, que os tiraria do lugar e folhearia; que se lembraria do disco que ouvimos ontem, que colocaria de novo para tocar, Nina Simone at Newport e que começaria a dançar. Imagino que dançaria. Foto dela: Ana Martins.
sábado, 11 de fevereiro de 2012
sempre que ouvir chet baker
Depois de um tempo você nem se lembra mais quais discos eram seus, quais discos eram dela, de tanto que os ouviram juntos. Eu não sabia o que era Portishead até te conhecer, você nunca tinha ouvido falar em Chet Baker. Nunca pensei que me interessaria por alguém que nunca ouviu falar em Chet Baker, mas aconteceu – como aconteceu de uma noite ser a última em que o ouviríamos juntos, ainda não sabíamos o que aquela noite seria, até sabíamos, mas evitávamos dizer, também foi a última vez em que fizemos você sabe o que. Sei que levou o disco com você. ‘Levou’ é um modo de dizer. ‘Levou’ o que ele passou a significar. Sempre que ouvir Chet Baker me lembrarei de você, deste lugar, disse antes de sair como uma forma de se despedir e ficar, acho que é uma forma de guardar o que não nos pertence mais mas ainda é da gente, fazemos coleção disso, daquilo que não se arrepende de ter vivido. Entendo perfeitamente o que ela quer dizer, às vezes me pego fazendo o prato preferido de alguém que não vem comer. Não sei escolher um vinho sem lembrar de uma sommelier, o gosto dela sempre me vem a boca antes de beber. E aquele violão no canto que nunca aprendi a tocar, lembra alguém que se foi mais deixou sua música no ar. Todos temos algo assim guardado, numa gaveta chamada passado, cuja chave para abri-la pode ser um cheiro, uma cor de cabelo, um prefixo de telefone, um nome com o mesmo som, a voz melancólica de Beth Gibbons. Foto dela: Ana Martins.
Assinar:
Postagens (Atom)