Eu me lembro de você nesta cama enquanto troco o lençol, a fronha dos travesseiros. Parece que ainda posso ouvir a música que nossos corpos compunham quando fazíamos amor. Começava num ritmo lento, depois ia crescendo. Muita coisa se passou, lembro e me esqueço, mas às vezes você me invade como se eu nunca mais tivesse sido o mesmo. Dentre as camisas no armário, escolho a última que me comprou, só depois é que percebo, lembro de quantas vezes a desabotoou, da sua boca no meu peito. Nunca tínhamos tempo, mas você dizia que dava tempo e a gente saía para o trabalho com um sorriso de orelha a orelha. Escuto no rádio do carro que o trânsito segue lento, calculo quanto tempo daqui até o jornal e daqui até seu apartamento. Escrevo sobre a crise mundial e o bom desempenho do governo, mas o que eu queria mesmo era rabiscar um poema de como me lembro. O telefone toca pouco para o meio-dia, um convite para almoçar, sinto a sua falta, mas preciso continuar comendo. Talvez eu vá ao cinema, talvez eu volte mais cedo, talvez escreva seu nome no corpo de outra mulher com a ponta dos dedos, ela me pergunte o que escrevi e eu diga que é segredo. Cheguei a pensar que era você quem cantarolava agora no chuveiro, mas esta não tinha aquele seu sotaque do rio de janeiro. Eu me lembro de você nesta cama enquanto troco o lençol, a fronha dos travesseiros. Foto: Ricardo/ dela: Quel.