Eu escrevo pequenas histórias de amor e também coleciono os brincos que elas esqueceram aqui. Tenho um vidro colorido no fundo do armário. Isto se você quiser saber o que faço. Eu monto enredos a partir dos segredos que me sussurraram em meio à noite e dos tocos de cigarro no tapete do quarto. Não posso me lembrar de cada sentimento, começo, meio e fim, mas posso juntar as peças do quebra-cabeças que me deixaram. Posso trocar a cor dos seus olhos, o vestido que usava, o dia da semana e posso alterar tantos outros detalhes quantos forem necessários se entender que isto torna mais atraente a história que narro, a que vivi não preciso mais modificar, a pele já sabe como e onde guardar. Posso abrir a porta do quarto para que você espie a mulher que na cama dorme e posso fazer com que você se identifique com este corpo, mesmo que entre nós tudo tenha se passado num outro cenário, em hotéis mais elegantes, sem barulho de trânsito, num outro horário. Porque há um momento em que a vida é também algo que você sonha mesmo que esteja acontecendo de verdade, é quando você não acredita que tenha aquele gosto, que seja possível naquela parte do corpo, que uma hora antes você se preocupava com o imposto do seu carro. Nenhuma poesia supera isso, apenas resgata do seu limbo temporário porque às vezes esquecemos o que sentimos no porta-luvas bagunçado, numa gaveta emperrada, nas roupas que enviamos para a lavanderia. Escrever é uma forma de ressuscitar no terceiro dia, quando não há mais embriaguez nem mesmo ressaca; é costurar bolsos rasgados, muitas vezes algo que ensaiamos dizer se perde assim; é lembrar onde deixei minhas chaves, para quando nos trancamos sem saber como sair; é uma forma de, pelo menos, salvarmos a melhor parte, quando não temos uma segunda chance de corrigir. Eu escrevo pequenas histórias de amor e também coleciono os brincos que elas esqueceram aqui. Foto: Emil.