... um raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, mas da segunda vez que cai deixa de ser uma novidade...
Gostei que tivesse vindo, eu contei os dias desde que soube que você apareceria pelos lados de cá, até deixei de atender o telefone, inventei que fui viajar, não queria que nada nos atrapalhasse, no último instante eu pediria para você ficar, de um jeito que não tinha como recusar, estava tudo planejado, mas não tive coragem, ou melhor dizendo, não tive vontade; nos beijamos e fizemos amor, mas nos beijamos e fizemos amor já sabendo que era tarde, um raio pode até cair duas vezes no mesmo lugar, o que explica a fome em nossos corpos, as marcas que ganhei e aquelas que deixei em sua pele, mas da segunda vez que cai deixa de ser uma novidade, isso explica nossa falta de assunto, o meu desinteresse por suas aventuras pelo mundo e o seu olhar perdido enquanto eu tentava me apaixonar pelo que tinha de mudado em você depois de um ano distante. Você vai embora sem saber que existiram noites que eu achei que não suportaria e eu vou me despedir de você sem saber da carta que não terminou porque demorei no banho menos tempo que previra – eu só fui encontrar o que começou a rabiscar na manhã seguinte quando fui pôr para fora o lixo da cozinha. Mas finalmente posso voltar a respirar, o seu perfume já me embrulhava o estômago, acho que você derrubou um vidro no dia em que chegou, pelo menos encontrei serventia para as velas aromatizadas que ganhei da Clara. Têm cheiro bom de alfazema. Dizem que ajuda a harmonizar o ambiente trazendo energias positivas. Eu não acredito nessas besteiras, mas agradeço o presente. Acho que vou atender o telefone se ele chamar, convidar a Jane para ir ao cinema, ver a Letícia tocar, revelar as fotos da última viagem, se me perguntarem onde estive todo esse tempo direi que fui ver o mar. E que você nunca esteve lá. Foto: Ricardo/ ela: Flora.