A esta hora da noite, a vida é o único lugar aberto. Pode parar de procurar. Não existem cafés como nos filmes, nem tortas de blueberry esperando. Estou ouvindo o último presente que me deu. A trilha do filme My Blueberry Nights – não me recordo o título em português*. Na verdade só estou ouvindo a faixa número um – acho que pela nona vez. Eu vi primeiro, disse que você se apaixonaria e você se apaixonou. “Gostei mais do que Closer”, comentou. Eu ainda prefiro aquele. Quis saber se eu já tinha experimentado blueberry. Respondi que sim. “E qual o gosto?”, perguntou. Lembra pitanga, framboesa. E você fez aquela cara de quem não parece convencida de que eu realmente provei blueberry. Só porque eu sou metido a profundo conhecedor de tudo não quer dizer que eu não saiba do que estou falando.
Você vai ficar fora por dois dias. Maldito congresso de odontologia. Será que você dormiu enquanto folheava o livro que levou? Ficou de me ligar e ainda não ligou. Nós temos uma espécie de código. Ela me liga, dá um toque só, para saber se estou acordado, para saber se não estou ‘ocupado’, para saber se estou interessado. Identifico o número e se quero ligo de volta e a gente conversa o que vier a cabeça, desde o que ela achou das palestras até o que ela está vestindo agora, minhas mãos subindo por entre suas pernas. Ela sabe que não estou dormindo. Conhece meus hábitos noturnos. Madrugada é a melhor hora do dia. Mesmo quando ela está aqui, dormir de conchinha só os dez primeiros minutos. A noite inteira é mito. Meu braço direito, embaixo dela, fica dolorido. Deixo a cama devagar, faço tudo para ela não acordar, a observo por algum tempo, depois vou escrever um pouco, ouvir uns velhos discos, a cidade lá embaixo.
Enquanto espero começo uma partida de sinuca. Você nunca joga comigo, diz que minha velha mesa não combina com ‘sua’ decoração. Depois de algumas jogadas desisto. Aprecio a formação que as bolas coloridas fazem espalhadas pelo pano verde. Gosto de imaginar todas as possibilidades, qual será a próxima a cair. Fiz pouquíssimas vezes sobre a mesa, nenhuma com você. Devo admitir que é um tanto desconfortável. Os filmes dão uma impressão errada da vida. As bolas espalhadas pelo pano verde lembram nossas roupas deixadas pelo caminho. Sou sempre eu a recolher, você reclama que não encontra a calcinha, que eu brinco de esconder. Gosto desta tua omnipresença, está na mesa em que nunca fizemos, na música que estou a ouvir, no livro que falta na estante, no telefonema que espero para o próximo instante. Imagem: Norah Jones e Jude Law em cena do filme “My Blueberry Nights”(2007, Wong Kar-Wai).
*Um beijo roubado.
Clique no link abaixo e ouça “The Story” com Norah Jones. A música que estou ouvindo acho que pela nona vez.
Você vai ficar fora por dois dias. Maldito congresso de odontologia. Será que você dormiu enquanto folheava o livro que levou? Ficou de me ligar e ainda não ligou. Nós temos uma espécie de código. Ela me liga, dá um toque só, para saber se estou acordado, para saber se não estou ‘ocupado’, para saber se estou interessado. Identifico o número e se quero ligo de volta e a gente conversa o que vier a cabeça, desde o que ela achou das palestras até o que ela está vestindo agora, minhas mãos subindo por entre suas pernas. Ela sabe que não estou dormindo. Conhece meus hábitos noturnos. Madrugada é a melhor hora do dia. Mesmo quando ela está aqui, dormir de conchinha só os dez primeiros minutos. A noite inteira é mito. Meu braço direito, embaixo dela, fica dolorido. Deixo a cama devagar, faço tudo para ela não acordar, a observo por algum tempo, depois vou escrever um pouco, ouvir uns velhos discos, a cidade lá embaixo.
Enquanto espero começo uma partida de sinuca. Você nunca joga comigo, diz que minha velha mesa não combina com ‘sua’ decoração. Depois de algumas jogadas desisto. Aprecio a formação que as bolas coloridas fazem espalhadas pelo pano verde. Gosto de imaginar todas as possibilidades, qual será a próxima a cair. Fiz pouquíssimas vezes sobre a mesa, nenhuma com você. Devo admitir que é um tanto desconfortável. Os filmes dão uma impressão errada da vida. As bolas espalhadas pelo pano verde lembram nossas roupas deixadas pelo caminho. Sou sempre eu a recolher, você reclama que não encontra a calcinha, que eu brinco de esconder. Gosto desta tua omnipresença, está na mesa em que nunca fizemos, na música que estou a ouvir, no livro que falta na estante, no telefonema que espero para o próximo instante. Imagem: Norah Jones e Jude Law em cena do filme “My Blueberry Nights”(2007, Wong Kar-Wai).
*Um beijo roubado.
Clique no link abaixo e ouça “The Story” com Norah Jones. A música que estou ouvindo acho que pela nona vez.