sábado, 21 de junho de 2008

ela não gosta de poesia


para natália


“...como se eu fosse o saudoso poeta e fosses a paraíba” (caetano veloso, terra)


Pergunta-me do que a gente é feito e eu respondo ‘das histórias que contamos sobre nós mesmos’. Estou falando de mim, deste quarto escuro aqui, ela eu não conheço, ela eu quis conhecer e o que conheci foi só até a pele, depois disso me perdi. Porque já me apaixonei duzentas vezes sempre acho que posso me apaixonar outras duzentas que tudo bem. Pelo menos não preciso sonhar como era o seu cheiro, nem imaginar o gosto que tinha seus lábios, o perfume em seus cabelos, porque tudo que me foi permitido, tudo que me foi confiado, dito ou sussurrado, ficará guardado aqui comigo, neste quarto escuro – que o sol ilumina quando dela me lembro. Será que ela volta em dezembro?


Porque não se vive muitas vidas é que a gente se agarra a única que tem. Comete erros querendo se manter vivo, não diz na hora o que quer dizer, ou até diz e não é compreendido, há quem não fale a mesma língua, há que se entender isto, nem todo mundo sente da mesma forma, nem se deixa influenciar por essa lua e esse conhaque que me botam comovido como o diabo. Pelo menos bebemos vinho. Nos embriagamos e foi bom. Será que conto para ela que não tirei os olhos dela enquanto dormia?

Estou sendo injusto com ela dizendo que ‘ela não gosta de poesia’, mas sorry my dear, o apelido ficou marcado. Estou sendo injusto com ela desde o dia em que soube que partiria porque devemos nos lançar no mundo: lançar-se no mundo é o maior dos aprendizados. Estou sendo injusto porque estou pensando só em mim, neste quarto escuro aqui, onde o cheiro da sua pele, o gosto dos seus lábios, o perfume em seus cabelos, tudo que me foi permitido, tudo que me foi confiado, dito, sussurrado, ficará guardado – não porque faz parte do passado mas porque não tem como ser esquecido. Será que eu vou sentir saudade até do seu cigarro fedido? Foto: Nelson Luis Abraao, Anjo fuma?, 2007.