Andei nos procurando pelas ruas onde passamos, voltando de uma festa, indo para a nossa. Ríamos alto, não nos importava, tudo o que havia ao nosso redor se ali estava era por nós, para nós, era assim que eu me sentia, era assim que você me fazia sentir. Perguntei se nos viram nos bares onde íamos, descrevi a roupa que vestíamos na última noite em que saímos, se eu soubesse não tinha pedido para ir embora, levantaria e começaria a dançar. Você fez uma lista dos livros que eu deveria ter lido aos vinte anos, encontrei no bolso de um casaco, vibrei quando vi que era a sua letra, pensei que era um poema que havia me esquecido e, pensando bem, talvez seja: vou começar pelo caio fernando, quero recuperar o tempo perdido, leio alto como se estivesse me ouvindo, queria lhe contar tudo o que estou sentindo a cada página que termino, quem sabe escrevo uma carta e até ponho no correio, faço uma camiseta, reuno uns amigos e te convido, coloco cordas novas no violão e componho uma canção. De amor como seus bilhetes na geladeira. Eu ainda tenho esperanças no elevador, quando aperto o sete e ajeito o cabelo, antes quando abríamos a porta tudo parecia a nossa espera, mas encontro a casa exatamente como a deixei, tão diferente da bagunça que a gente era. Foto dela: Tay Gomes.
domingo, 7 de março de 2010
depois que a luz acende
Depois que a luz acende, não há sonho nem corpo mais, apenas a lembrança de algumas noites atrás no relógio dizendo quanto tempo faz que ela se foi, na cama maior do que eu me lembrava, mesmo assim me encolho todo como se sua ausência ocupasse espaço demais, me roubasse o lençol, me apertasse contra a parede, me sufocasse com o travesseiro. A realidade é como estar doente, sua cabeça pesa, sua voz quase que nem sai, você simplesmente segue com a sua vida, ganha o seu dinheiro, pergunta quanto foi o corinthians, diz bom dia ao porteiro, ninguém precisa saber que um ventinho mais forte te fragmentaria por inteiro. E nem queria minha vida toda de volta para me arrepender dos demais erros, estou feliz com a minha verdade, com o que restou dos meus cabelos, só gostaria que essa história tivesse um dia a menos – e nem precisava ser assim eternamente, apenas um dia que eu pudesse escrever novamente e eu o escreveria diferente, mas não tem papel, não tem tinta, não tem poesia que me permita fazê-lo. Foto dela: Carla.
terça-feira, 2 de março de 2010
como alice no país das maravilhas
Conheci outra mulher depois que a luz se apagou, uma mulher que não estava lá antes, não com aqueles dentes. A noite durou exatamente o quanto ela me queria, enquanto isso o sol não vinha nem nascia o dia. Ela me contou seus segredos e me fez um de seus segredos, se me contassem sobre nós nem eu acreditaria, ficaria imaginando como e quando a teria conhecido, mesmo que fosse um minuto depois do ocorrido, com o gosto da sua boca ainda na minha, porque uma mulher como aquela ninguém diria que existia no corpo da guria que ao meu lado agora dormia, como se fosse Deus descansando de ser Deus no sétimo dia, com a sensação de dever cumprido percorrendo cada centímetro de sua pele macia. Se ela acordar perguntando onde está como Alice no país das maravilhas juro que não me surpreenderia, também não anotei a placa do caminhão, tive que me beliscar para saber se era de verdade, tive de procurar minha identidade entre nossas roupas espalhadas pelo chão. Quando amanhece ela se veste como se nem desconfiasse que outra mulher do seu corpo se apodera quando a luz se apaga, quando a bela vira fera. Foto dela: Quel.
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