sábado, 27 de setembro de 2008

uma cidade no meio do nada.

“... não fazes favor nenhum em gostar de alguém...”
(Nem Eu, Dorival Caymmi)



Fiquei com a impressão de que você não queria que eu ligasse, de que me passou o seu número apenas para ser gentil, pelo que tivemos, dias em que quase não nos víamos, as poucas noites em que fizemos, acontece que querer saber como você está é apenas querer saber como você está, não confunda as coisas, eu sei que a gente acabaria se cansando um do outro dali a algumas semanas, mas não tivemos algumas semanas para se cansar, você precisava correr para pegar o avião, eu preparei as suas malas, enquanto você se despedia da família, dos amigos, dirigi como um louco, mas chegamos a tempo, deu para um último beijo, você estava feliz, eu também, gostei que terminasse assim: um homem, uma mulher, 1966. Na volta procurei uma estação que desse os resultados do brasileirão. Você dormiu enquanto lia o seu Carlos Castañeda, foi um vôo tranqüilo. Não era para Paris, mas para a vida: uma cidade no meio do nada.

Ontem vi meu primeiro filme sem você. Tentei me concentrar no filme que assistia, uma bobagem sobre mortos que andam. Você adorava essas bobagens, eu adorava você. Na chuva com cara de brava esperando eu aparecer, é como me lembro, eu tinha me atrasado, pensei que ouviria, mas você só me pediu um abraço por conta do frio que fazia. Estou escrevendo isso diretamente dos meus dezessete anos. Eu sei que não os tenho mais, eles ainda estão aqui, os meus dezessete, ajudaram a formar a minha personalidade, mas envelheci, passei da idade, você até arrancou o meu primeiro fio de cabelo branco. Apesar de lindo, não é mais a você que me dirijo, eis a grande verdade, quero atrair outra com o que digo e você sabe. É que é foda ser um poeta romântico vinte e quatro horas por dia, às vezes quero mandar o amor ir tomar naquele lugar. Você não?
Foto: Penélope charmosa.