A vida é isso: isso que você ‘tá vendo. Olha ao seu redor, não se surpreenda, hoje eu não vim com palavras mais bonitas do que 'isso', nada que eu sei é mais honesto do que esticar o braço e tocar, as explicações não nos pertencem, emprestamos aos livros, só queremos dar a impressão de que tudo sabemos, gostamos que pensem que é possível um abraço que tudo englobe, um olhar que nada deixa escapar, um livro no final que conte todas as nossas experiências: o gosto disso, a graça naquilo, o beijo desta.
Tem vezes que ela vem e só se deita ao meu lado, nada, quer conversar – quer conversar e não quer, ela se concentra, procura as palavras certas, eu digo que as palavras certas não existem, que não tem problema se gaguejar um pouco, fizer silêncio, mudar para um assunto mais fácil, a gente tem a noite inteira, não faz sentido uma pressa que extermine tudo, o sol nasce, o dia vem, o tumulto é igual, corre-se de um lado para o outro, encontra-se, perde-se. Quando escrevo é como se eu interrompesse algo – interrompesse e ficasse observando ‘do lado de fora’ daquilo que eu vivo, sinto: agora mesmo posso observa-la mexendo-se na cama em meio ao sono, posso apagar a luz e me juntar a ela, posso me dar uma segunda chance. Uma segunda chance que já estava lá, não preciso escrever sobre ela como se fosse um deus interferindo nos destinos da humanidade, refazendo um caminho, abrindo o mar vermelho; mais do que escrevê-la, notá-la só agora, preciso fazer com que aconteça no exato instante em que ela me surge, em que ela se dá, não se trata do destino da humanidade, se trata de um quarto, ela, eu, terça-feira – algo que a gente sabe que respira.
Foi Heráclito quem disse que um homem nunca se banha duas vezes num mesmo rio porque nunca é o mesmo homem e nunca é o mesmo rio. Quando escrevo sobre algo que vivi não sou o mesmo homem que o viveu porque escrever não é experimentar tudo de novo como o antes desconhecido; escrever é julgar, é selecionar, é trazer à tona ou condenar ao limbo – e a vida não, a vida é isto, nada além deste segundo, desta palavra que você acaba de ler, disto que você acabou de pensar, deste rio em que agora você se banha, deste rio em que você nunca mais vai se banhar, desta pessoa que você se torna, desta que deixa de ser. Você pode me dizer o nome mas não revelar do que se trata, o que esta semana trouxe de novo para o que já tínhamos, o que ela apagou, revolucionou, rompeu, o livro que você leu, o livro que não foi até o fim, o que é sólido e o que é só fumaça. Cada idéia por mais louca, porque ela lhe ocorreu, porque você resolveu não correr atrás. Foto de Jane Eyre Piego.
Tem vezes que ela vem e só se deita ao meu lado, nada, quer conversar – quer conversar e não quer, ela se concentra, procura as palavras certas, eu digo que as palavras certas não existem, que não tem problema se gaguejar um pouco, fizer silêncio, mudar para um assunto mais fácil, a gente tem a noite inteira, não faz sentido uma pressa que extermine tudo, o sol nasce, o dia vem, o tumulto é igual, corre-se de um lado para o outro, encontra-se, perde-se. Quando escrevo é como se eu interrompesse algo – interrompesse e ficasse observando ‘do lado de fora’ daquilo que eu vivo, sinto: agora mesmo posso observa-la mexendo-se na cama em meio ao sono, posso apagar a luz e me juntar a ela, posso me dar uma segunda chance. Uma segunda chance que já estava lá, não preciso escrever sobre ela como se fosse um deus interferindo nos destinos da humanidade, refazendo um caminho, abrindo o mar vermelho; mais do que escrevê-la, notá-la só agora, preciso fazer com que aconteça no exato instante em que ela me surge, em que ela se dá, não se trata do destino da humanidade, se trata de um quarto, ela, eu, terça-feira – algo que a gente sabe que respira.
Foi Heráclito quem disse que um homem nunca se banha duas vezes num mesmo rio porque nunca é o mesmo homem e nunca é o mesmo rio. Quando escrevo sobre algo que vivi não sou o mesmo homem que o viveu porque escrever não é experimentar tudo de novo como o antes desconhecido; escrever é julgar, é selecionar, é trazer à tona ou condenar ao limbo – e a vida não, a vida é isto, nada além deste segundo, desta palavra que você acaba de ler, disto que você acabou de pensar, deste rio em que agora você se banha, deste rio em que você nunca mais vai se banhar, desta pessoa que você se torna, desta que deixa de ser. Você pode me dizer o nome mas não revelar do que se trata, o que esta semana trouxe de novo para o que já tínhamos, o que ela apagou, revolucionou, rompeu, o livro que você leu, o livro que não foi até o fim, o que é sólido e o que é só fumaça. Cada idéia por mais louca, porque ela lhe ocorreu, porque você resolveu não correr atrás. Foto de Jane Eyre Piego.