quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

em cheio

“...para mim closer é o último filme sobre o amor, aquele definitivo...”

O meu nome? O meu nome é ninguém. Para que você quer saber? Eu vou abrir aquela porta, entrar e sair. Apaga a luz que é cedo ainda, vai ficar tudo bem. Os anjos não existem. Eu não sou um deles. É só uma coincidência que eu possua um par de asas. Precisa tempo para se conhecer. Será que você não tem nada mais com o que se distrair? Posso sugerir um livro se você não consegue dormir mas não vou ficar abraçado até que você pegue no sono. Depois quem vai fazer o mesmo por mim nas noites em que eu também me sentir assim? Você? Você que só quis casar e ter filhos comigo porque se sentiu sozinha? Devia ter derrubado vinho na minha camisa, seria bem mais simples: um jato d´água e tudo se resolvia.

De que adianta começar algo se fica-se sempre pelo caminho. Agora eu sou diferente mas daqui há alguns meses eu vou ser igual a todos os homens que você já conheceu: os mesmos defeitos, a mesma necessidade de se sentir superior. E você? Você que é linda. Saiba que eu já menti para mulheres como você e que eu faço isto muito bem: com rosas e rimas. Se faz sentido para você senta e bebe comigo, depois não vá dizer que eu não fui seu amigo.

O meu coração? O meu coração dura só uma noite depois fica proibido de se misturar. É porque eu já morri e você não sabe a dor que é deixar alguém para trás. A pessoa quer correr na sua direção mas não tem mais direção, quer sentir o seu cheiro e é outro o perfume, não quero fazer o mesmo contigo, pareço cruel mas só lhe desejo o bem, por isto apago todo e qualquer vestígio. Meu nome? O meu nome é ninguém.
Imagem: Natalie Portman em cena do filme “Closer”(2004, Mike Nichols)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

efeito bumerangue

“... aquilo que você não diz mas deixa claro...”

Não sonho mais. Sei como tudo funciona. Você entra, conversamos pouco, não quero saber, você também não quer saber, já não fazemos planos, parece que apenas adiamos algo importante que precisamos dizer um ao outro, não sabemos o que, até acho que sabemos mas não por onde começar, depois esquecemos tudo o que estamos vivendo fora dali e fazemos amor, é leve, é bom, é o que salva, você me abraça, o dia me soa estranhamente inesquecivel, seu telefone toca, eu brigo, não brigo mais, você tem que ir embora, não temos mais tanto tempo, esta noite sonhei que tinhamos um filho, queria falar, não quero mais falar sobre aquilo, estou caminhando nua pela avenida mais movimentada da cidade, não estou caminhando mais, ninguém me olha, ninguém mais sabe que eu existo, você tem pressa, eu quero que fique mais um pouco, não não quero que fique nem mais um minuto, nunca mais quero vê-lo, você não me conta mais do seu livro, da minha personagem, não sei se um dia me reconhecerei nele, não sei se um dia me reconhecerei em você, nos presentes, nas cores que gosto, você me beija, não tenho mais forças, agarro seu braço, não agarro braço algum, você sai, fecha a porta.

Estou de volta, estou de volta ao meu cabelo despenteado, ao meu infinito, à minha lista de compras, ao meu silêncio, ao meu cigarro, à esta cidade dos infernos, ao barulho dos carros, ao meu livro de cabeceira, meus comprimidos, meu corpo cansado, minhas teses, minhas olheiras. Estou de volta à vida mas não é a vida, é apenas uma espera até que você entre por aquela porta, entre diferente, entre como era, quando era um risco se apaixonar, quando havia aquela música que eu não podia escutar, quando o que eu mais queria era rabiscar nos muros da cidade o nosso segredo, os mais sagrados.

Estendo a mão, alcanço o seu copo, quase que instintivamente, sem saber o que faço, sem saber direito o que tenho nas mãos, aproximo o copo das narinas, sinto o cheiro da sua boca, do resto de vinho, você pediu do mais caro, tenho saudade dos vinhos baratos, do dinheiro contado, da sua falta de regras, dos poemas que me escrevia na pele, dos medos que tinha, do sorriso que me dava – por mais que eu estique o braço não alcanço mais você, a idéia que eu fazia de você, de poeta irresponsável que eu repreendia, por que não podia ser igual a todos os homens era o que eu repetia, você não devia ter me ouvido, devia ter deixado a barba, devia ter ligado o rádio, devia ter recusado aquele emprego, devia ter desistido, mas não, você não fez nada disso, seguiu com o meu plano, com o seu plano diabólico, apenas para me esfregar na cara que fez tudo o que eu queria. Era a sua colaboração com o nosso amor, era o seu sacrifício. Acho que somos ambiciosos demais, não acreditamos que tudo está perfeito mesmo quando está, a felicidade é sempre algo inatingivel, o amor impossível, o outro apenas uma resposta aos nossos anseios, sei que é a sua cara isto, vai transformar este meu desconforto num texto tão bonito que eu vou querer matar você depois de ler, querer matar por me invadir deste jeito, por roubar o que me é tão íntimo. Você é um ladrão, sr. Ricardo, é isto o que você é – e do pior tipo.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Duda.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

guardada comigo


Gosto de guardar o que vivi. Mas às vezes preciso rasgar tudo, mentir sobre tudo, mudar de idéia. Tenho fechado em meus olhos um álbum de fotos que nunca revelei: nele mulheres que só eu sei com aquela luz e os poemas que pensei e não disse – não disse ainda ou nunca direi. Seria inútil dizê-los, ninguém sentirá a mesma felicidade percorrendo o seu corpo nem entenderá o amor mais do que eu. Ficará em mim como uma melodia, canção que talvez assobie sem saber para quem a compus.

Depois que ela saiu fiz algumas anotações. Quero dar-lhe um nome novo para que daqui há alguns anos ninguém saiba do que se trata. Nem ela saberá se foi de um filme ou de sua juventude. Todos contarão histórias maravilhosas, ela guardará as que sabe para algumas noites só dela, depois de um livro e apagar a luz. Será que é real depois que acaba? Ou o sonho é um outro modo de experimentar? Seu perfume em outras mulheres não é seu perfume, sou eu querendo acreditar. Eu inventei seu perfume – depois de alguns anos me esqueci como era. Ela não é você nem nunca será. Não posso sacrificá-la, tenho que deixá-la respirar. Serei rude, grosseiro, direi que não me importo, será mais fácil se ela me odiar. É para o bem dela que afio minhas garras.

Hoje eu não quero lembrar, vou fazer uma fogueira, há muitos nomes na minha boca que já não sei pronunciar, números de telefone, longas cartas, passagens secretas e promessas que fiz e não cumpri. Na minha vida outra ocupa o seu lugar até que outra venha ocupar e assim eu passo a impressão de que estou seguindo em frente fazendo a roda girar. Este ano bati o meu recorde e não tenho o que comemorar. Contarei vantagem mas será só para disfarçar.
Foto: Ricardo Pereira/ modelo: Melissa

domingo, 9 de dezembro de 2007

vampiro cotidiano

“...as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra...” (de Caio Fernando Abreu, em Morangos Mofados)


A gente tem fome. Vive-se bem com uma desculpa dessas. Quantas vezes eu já não a usei – quantas vezes você já não a usou. Eu assinei e você também assinou: “adeus à inocência”, dizia o contrato e nem era nas letras pequenas. Quando a gente diz não soa cruel mas quando é o outro que joga isto na nossa cara a gente percebe o quanto tem somente se arrastado de um lado para o outro em busca de “alimento”. Não é uma questão de se vender barato. Olha ao seu redor, nem precisa ter critérios muito rigorosos, as últimas safras não são das melhores. É pegar ou largar. Eu pego mas não vejo a hora de largar, enquanto isto brinco o jogo como se não conhecesse suas regras, como se não fosse responsável pelo seu conteúdo, como se não soubesse que tem volta.


Eu mordo, mastigo bem, a carne é dura, a idéia é que é macia. Sei que com o gosto “dela” nunca mais, por isto não me arrependo se cuspo fora depois, vá corromper outro eu digo. Eu falo mas só ajudo a espalhar o veneno – condeno, protesto, mas faço parte da mesma epidemia, todo mundo faz, acho que é tarde demais. Isto tudo que você chama de Ricardo Pereira é só nostalgia romântica. No íntimo eu sou um vira-lata. Vida-poema é só um nome mais elegante para vida-barata. Literatura do vivido? Vive-se e morre-se disso – esta a grande verdade. Não tem mais nada que eu não saiba e isto que chamam de experiência, de sabedoria, não tem a menor graça. Daria tudo para ser passado para trás pelo velho e idiota amor – logo eu que comecei a fogueira. Tive meus motivos, afinal quem entre vocês pode me dizer que sabe o quão profundo o seu punhal pode nos rasgar? Eu sei, eu tenho toda a resposta que eu preciso... para mim eu sou o único Deus, para mim eu sou todos os parâmetros, para mim eu sou todos as teorias na carne...


Agora eu quero nascer de novo e não consigo. Eu não vejo o azul que é o mar eu apenas prevejo os perigos. Eu sei o que me espera desde já por isto entro na selva mais violento que qualquer fera de lá. Eu devia estar nu, puro, o bom selvagem, como vim ao mundo (mas estou armado até os dentes, pintado para a guerra, o próprio homem-bomba) para que quando falasse em “amor” novamente pensasse em algo que não sei como funciona, como se pronuncia nem quanto tempo dura, porque é só assim que ele pode ser – enquanto isto não reinicia em mim só faço enganar o estômago com tudo o que é fast-food.
Foto: Ricardo Pereira/modelo: Maíra pagando de vampira.