sábado, 15 de setembro de 2012

na noite em que ela fez 29 anos


Parece que diante de você fico transparente, sinto-me nua na sua frente. 

Fiquei depois da festa, quando todos já tinham ido embora, ajudei com os copos, as cadeiras, esvaziei os cinzeiros, empurrei o sofá. Vieram amigos seus do trabalho, da faculdade os que restaram, acho que só eu não me encaixava em nenhum lugar. Beberam vinho, ouviram música, todos riam, não paravam de falar – de como a conheciam, de viagens que fizeram, de pessoas que sumiram, de onde deveriam estar. Trouxeram presentes, não precisava, ela dizia, antes de desembrulhar: loções, bijuteria, maquiagem, o que toda mulher gosta de ganhar; escrevi uma poesia, no verso de uma fotografia, como sempre sorria, não havia como não se inspirar. Mostrei quando estava só a gente, não queria, mas a fiz chorar, quis dizer tudo profundamente, tenho essa mania de me aprofundar. Parece que diante de você fico transparente, sinto-me nua na sua frente, Anna Karina e Jean-Luc Godard. Nos olhamos como se fosse para sempre, sabendo que tinha hora para acabar, ajudei com os copos, as cadeiras, esvaziei os cinzeiros, empurrei o sofá. E se não ficamos juntos o quanto pretendíamos, ficamos juntos o quanto sabíamos que podíamos ficar. Na noite em que ela fez vinte e nove anos eu estava lá. Foto dela: Desirée.