sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

pequenas histórias de amor

Eu escrevo pequenas histórias de amor e também coleciono os brincos que elas esqueceram aqui. Tenho um vidro colorido no fundo do armário. Isto se você quiser saber o que faço. Eu monto enredos a partir dos segredos que me sussurraram em meio à noite e dos tocos de cigarro no tapete do quarto. Não posso me lembrar de cada sentimento, começo, meio e fim, mas posso juntar as peças do quebra-cabeças que me deixaram. Posso trocar a cor dos seus olhos, o vestido que usava, o dia da semana e posso alterar tantos outros detalhes quantos forem necessários se entender que isto torna mais atraente a história que narro, a que vivi não preciso mais modificar, a pele já sabe como e onde guardar. Posso abrir a porta do quarto para que você espie a mulher que na cama dorme e posso fazer com que você se identifique com este corpo, mesmo que entre nós tudo tenha se passado num outro cenário, em hotéis mais elegantes, sem barulho de trânsito, num outro horário. Porque há um momento em que a vida é também algo que você sonha mesmo que esteja acontecendo de verdade, é quando você não acredita que tenha aquele gosto, que seja possível naquela parte do corpo, que uma hora antes você se preocupava com o imposto do seu carro. Nenhuma poesia supera isso, apenas resgata do seu limbo temporário porque às vezes esquecemos o que sentimos no porta-luvas bagunçado, numa gaveta emperrada, nas roupas que enviamos para a lavanderia. Escrever é uma forma de ressuscitar no terceiro dia, quando não há mais embriaguez nem mesmo ressaca; é costurar bolsos rasgados, muitas vezes algo que ensaiamos dizer se perde assim; é lembrar onde deixei minhas chaves, para quando nos trancamos sem saber como sair; é uma forma de, pelo menos, salvarmos a melhor parte, quando não temos uma segunda chance de corrigir. Eu escrevo pequenas histórias de amor e também coleciono os brincos que elas esqueceram aqui. Foto: Emil.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

como num filme de vampiro

para aline monique

Digamos que você não me conheça, que eu seja apenas um corpo que você deseja, não tenha uma história ainda, um nome na sua língua, nenhuma amiga que nos tenha apresentado. E que você não precise por conta disso ter nenhum tipo de cuidado comigo, que me respeite pelo que eu te provoco e não porque votamos no mesmo partido. Esqueça tudo o que conversamos, quantos drinques já tomei – se é que está contando, meu lema nesta vida e que autores prefiro. Não quero você todo educado, apaixonado, preocupado com nada disso, quero você indecente, mostrando-me os dentes como num filme de vampiro. Há sempre um lado da gente que nem mesmo a gente conhece, por isso não se surpreenda se amanhã eu disser que não conheço a mulher que dormiu esta noite contigo. Sou uma personagem de carne e osso do seu livro. Deixo que escolha a cor do meu vestido mas se vou tirá-lo para você é algo que só eu decido. Não faz esta cara de quem não está entendendo: o feitiço virou contra o feiticeiro, querido. Agora é a minha vez de ficar por cima. Foto dela: Aline Monique.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

dentro de você ou acolá

Para ler de preferência ao som de “Flor de Ir Embora”

Você quis saber que música era aquela. Eu disse o nome e a cantora, pediu que eu a colocasse de novo, queria me guardar através dela. O filme podia acabar assim, alguém por favor apague a luz do set, depois disso não haveria mais personagem, só o que sentíamos, naquele sofá que faz barulho quando nos mexemos, duas xícaras de chá esperando esfriar, a gente pensando em tudo o que está acontecendo no mundo independente de querermos e as armas que temos para lutar.

Não posso protegê-la em meus braços pelo resto dos dias, passou-me pela cabeça que gostaria de tentar, mas perguntei-me o que você aprenderia, você pensa o mesmo, embora tenha descoberto naquele último segundo que nunca se sentiu tão confortável nos braços de alguém, como se seu corpo tivesse encontrado onde sempre quis estar, e acha injusto ter descoberto aquilo um segundo antes da gente se soltar. Bem na parte da letra em que a Fátima Guedes canta ‘agora esse mundo é meu’, você não sabe se deve partir ou ficar. Se o mundo é um lugar que você já conhece ou um outro que você precisa explorar. Dentro de você ou acolá.

Eu já vivi a sua vida dez anos atrás, eu já senti a mesma fome, sede e raiva e a mesma vontade de chorar ouvindo esta música quando eu não sabia onde queria estar e dei mil voltas até lhe encontrar e te contei tantas histórias que você quis sair para procurar onde começou cada uma delas e se é aqui comigo que vão terminar – fiz um mapa para você se perder e outro para você voltar, você só precisa escolher qual deles vai usar.
Foto:Ricardo/dela: Stella.