domingo, 24 de fevereiro de 2008

não é só uma teoria de fim de noite

“tolice alguma nos ocorrerá que não a tenha dito um sábio grego outrora” (Mário Quintana)

Acho que você precisa aprender o jeito mais simples. Deixe o que é difícil para os livros, os que estão velhos pensarem, já tiveram a vida para isso, você precisa experimentar primeiro, descobrir do que se trata, se é amor ou só uma vontade de se esparramar. Não há uma hora certa para nada, você é quem decide quando será, estava olhando você do outro lado da festa, pensava ‘quantos passos daqui até seus braços?’ – e se não for essa noite aquela em que tudo se ajustará, importa mais que começamos algo, já sei o que você pretende fazer para o resto da sua vida inteira (sic) e em que lugar da ‘sua vida inteira’ eu pretendo estar.

Não é só uma teoria de fim de noite, há segredos guardados em cada olhar, o mundo se move, as ruas se esvaziam, depois voltam a ficar agitadas, janelas se fecham, janelas se abrem, pessoas se escondem, outras saem para procurar. Gosto de estar vivo para poder sentir tudo isso, escrever é estar vivo, estou atento para tudo o que sabe provocar, sua boca e voz, o perfume que você usa, o que pensa sobre o mundo e quando parece que já nos conhecemos há séculos. Eu sei que não escapo sempre, tenho os meus momentos de apagar a luz e fazer silêncio como se não houvesse ninguém em casa, mas é só você bater na porta que eu deixo entrar.

Estou no meu tempo, estou na minha velocidade, pode ser que a vida não saia como se planeja, que o desejo seja só de um e não do outro mas assim como nem toda noite precisa ser de festa nem toda noite que não seja de festa precisa ser de falta de ar. Há o sonho que nos interessa e o sonho que nos obrigam a sonhar – precisa descobrir antes que seja tarde demais na direção de qual dos dois você está a caminhar. Alguns poemas são como que mapas, basta sensibilidade para enxergar e eu sei que você a tem, todo mundo tem uma palavra mágica que faz a pele arrepiar, demorou mas eu descobri qual é a sua. Quer que eu a diga de novo só para te provar?
Foto: Renata Punk, Maitê, o cigarro e a lua, 2007.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

era para ser um abraço esse golpe de karatê

Eu sempre retorno aos mesmos lugares (2)

Gostaria de ter mais tempo para escolher as palavras certas, um bom escritor viveria disso, mas com o pouco que me resta só posso isto mesmo – convencê-la quem sabe a vir para mais perto, adoro mexer nos seus cabelos, o cheiro deles no travesseiro, você quer perguntar e não pergunta, só faço confundir mais a sua cabeça com as poucas coisas que confesso: “por que às vezes você me pega como se eu fosse urgente, fundamental na sua existência e em outras me olha como se nem soubesse meu nome, que jeito eu gosto que você faça?” (pareço ouvi-la dizer)

Não posso perder mais um único dia da minha vida já que não existe outra vida que não esta. Preciso assumir cada movimento, cada disparo, cada olhar que penetra fundo, cada amor que até onde eu saiba posso chama-lo assim. Porque vai tudo me escapando ao controle, dando voltas em torno de mim como se esperasse o melhor momento para dar o bote: sei o que plantei mas isto não significa que saiba o que me espera (alguém sabe?) – eu lhe dei de comer, ajudei a criar a fera, acho justo que chegue o dia em que você também não negocie, não faça qualquer concessão, que me deixe também só com o gostinho.

Ela quer entender tudo o que eu falo, descrevo com as mãos, mostro num livro, olha e presta atenção e quer entender bem mais ainda o porque de ser assim, de estar aqui, o que sente, o que acontece e porque às vezes é tão diferente, parece que é só viver. No mundo dela (assim como no de todo mundo) falta tanta coisa, mas ela gosta do que é possível, do que pode ter nas mãos, prender entre as pernas, levar para uma festa e apresentar aos amigos, daquilo inteligente que ela sabe que eu vou dizer e em onde termina. Não sei tudo o que se passa pela cabeça dela, sei o que preciso saber quando vem na minha direção, me interpreta com os olhos, não me deixa mais o que pensar.
Foto: Renata Punk/ modelo: Maitê.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

os mortos

como se fosse possível

Ela me disse “estou morta” e que isto devia ter alguma importância para mim. Acho que ela queria me soltar, deixar meu corpo mais leve e que o tempo fizesse o resto. Os olhos eram os mesmos, a boca e o que ela sabia a meu respeito, tudo como na última vez que nada teve de especial, de diferente, porque não sabíamos que seria a última e eu pensei nas coisas que não disse aquele dia, em letras de música, poemas, tolices só nossas, filmes sem ninguém, fotografias que estão guardadas, a vida que existia e não existe mais.

A idéia de ser um fantasma não a agrada – "não quero assustar ninguém, fico escondida atrás da porta quando sei que tem crianças correndo pela casa, posso vê-las pelo vão, elas são lindas como eu imaginava que seriam”, foi o que ela me disse, depois mudou o tom, estava brava comigo, não quer que eu passe a tarde inteira lembrando-me de como era a sua voz, falou-me do sol lá fora que era o que ela mais gostava e sorriu comovida como se fosse possível senti-lo novamente queimando sua pele (“mas que pele?”, ela ri, acha graça daquilo, o que fazer?,chegou num estágio em que já suporta tudo, nada mais a ameaça, nada mais a convence do contrário). Não pense no que não teremos mais, pense no que tivemos, tão sábia. Eu queria que tudo se repetisse. "Não – me repreendendo – nada se repete exatamente como foi, você precisa ver como é do lado de fora de ‘nós dois’, contar-me algo que eu não sei. O mundo para mim ficou para trás, o que é novo precisa ser novo, não dá para ficar preenchendo o vazio justamente com aquilo que produziu esse vazio como você faz. Eu quero novidades nos seus olhos, na sua boca, nas suas palavras, o seu amor por mim eu já sei, já tive, provei, não precisa reafirma-lo a todo momento como se eu tivesse alguma dúvida"

Acho que ela ainda está por aqui, a vida é enorme e existem muitos corredores pelos quais jamais passei, portas que não forcei, chaves que não sei o que abrem, poemas que parei na metade, mulheres que fiquei de amar mais tarde, tanto ainda por ser escrito, mil livros. Todos os dias eu acordo ciente de que só existe uma chance e que a minha não é esta mulher que ao meu lado dorme, por mais que ela cuide para que tudo aconteça, saiba a hora de se aproximar e a hora de se afastar; por mais que ela seja linda, com um livro na mão procurando o melhor lugar; por mais que ela seja amiga, bebemos e rimos como se a festa não fosse acabar; por mais que ela se pareça tanto, que às vezes me lembro e desvio o olhar. Foto:
Nelson Luís Abrahão, Casa Vazia, 2004.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

sobre o que é a sua vida?

Sobre o que é a sua vida? De que assunto se trata? Eu perguntei porque estou curioso, estou sempre curioso, quero saber onde estou pisando, encontrar alguém e saber se estamos falando a mesma língua, se ela quer fugir ou se ela quer ficar mais um pouco. Eu sei que ninguém nunca pensa nisso, está tudo muito rápido, você sente que precisa estar em mil lugares ao mesmo tempo para experimentar tudo o que gostaria e sabe que está cada vez mais foda deixar um pouquinho que seja de você em cada pessoa que passa pela sua história, te olha nos olhos ou só beija sua boca ou apenas quis ser escritor depois de ler o mesmo livro – eu recomendo que tudo seja vivido, pelo menos o que tiver à mão, não são as viagens para longe que contam, mas o número de amigos que você sabe que pode ligar a qualquer hora. Não estou falando para uma festa, mas pode ser para uma festa, tanta coisa que a gente começa e não sabe como termina, não é mesmo?

Já parou para pensar que você faz o mesmo caminho todos os dias e que coloca o relógio para despertar na mesma velha hora e que não raro vai para a cama com a cabeça e o corpo cheios de idéias quer elas tenham alguma chance ou não de acontecerem na ‘sua’ vida? É porque a gente sabe que é capaz de mais, de muito mais, e o mundo, no fim, só quer que você faça a sua parte, que faça a roda girar e morra depois, tudo tão simples e tudo tão feito para ser deste jeito que a gente acaba achando que escapar deve ser um delírio, uma utopia, que do outro lado do muro deve ser uma selva terrível. Mas e se o ‘seu’ Deus for bonzinho e não castigar porra nenhuma? De que vai adiantar ‘cê ficar se policiando? Eu só sei que eu estou pintando uma bandeira e que vou para a rua defendê-la, não tenho tempo para uma outra vida que não seja assim apaixonada. Aceitamos adesões.

Porque tudo é uma enorme possibilidade foi que eu me aproximei. Porque tudo pode ser dito de uma outra forma, pela gente mesmo, mais tarde, foi que eu deixei o meu ‘canto’, quis perguntar, quis saber porque não a conhecia ainda sendo você tão linda, sendo você tão capaz de me prender a atenção, de me tirar do chão. É porque a gente está sempre passando milhões de vezes pela ‘nossa’ turma no mundo e esquecendo de arriscar um “quais são os seus planos para os próximos vinte anos?” que parece que nada acontece, que o mais correto é andar na linha e esperar que tudo se providencie naturalmente, para que o restante da sociedade, os mais velhos, aprovem as nossas escolhas mesmo que nós não as aprovemos – “olha, eu estou dizendo que acho que a gente deve brigar por cada coisa que acreditamos mesmo que nos digam, insistam, que será inútil” e você me ouvia como se esperasse por aquilo há anos. E é porque é simples de dizer que eu dizia e não porque mudaria o mundo se eu dissesse.
Foto: Renata Punk, Maitê My Love, 2007.